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9 May 2025, Fri


O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), enviou, ainda na noite de quarta-feira (7), um ofício ao ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), comunicando sobre a decisão da Casa que suspende o processo contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) no caso da suposta tentativa de golpe de Estado. A Resolução 18/25 também prevê a suspensão da ação penal contra outros sete réus, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Mas, apesar da aprovação da medida na Câmara, o STF deve restringir a suspensão a alguns crimes apenas no caso do deputado.

A comunicação ao STF sobre a votação é um rito formal e a celeridade de Motta em encaminhar o ofício logo após a aprovação foi vista entre líderes da oposição como um aceno do presidente da Câmara ao grupo. O deputado pautou o projeto no plenário no mesmo dia da manifestação organizada pela direita em defesa da anistia aos presos do 8 de janeiro na Esplanada dos Ministérios. 

Motta tem resistido em colocar para votação o projeto da anistia. Segundo seus aliados mais próximos, o caso envolvendo Ramagem foi uma tentativa de fazer um aceno aos parlamentares do PL. No ato que aconteceu em Brasília, por exemplo, o pastor Silas Malafaia evitou criticar diretamente o presidente da Câmara, pois o partido do ex-presidente Jair Bolsonaro ainda mantém a aliança com o deputado. 

“Presidente Hugo Motta, refiro-me à Vossa Excelência com muito respeito e gratidão, porque, na política, gestos são eternizados. Hoje o seu gesto foi o de respeitar o trâmite, respeitar a Constituição e, em tempo apropriado, conforme preconiza a nossa Constituição, atender ao pedido do Partido Liberal quanto ao recurso concernente ao deputado Ramagem. Que fique registrada a gratidão do Partido Liberal”, disse Sóstenes Cavalcante (RJ), líder do PL na Câmara. 

O acordo para votação do projeto que beneficia Ramagem e os demais réus no processo do STF foi acertado ainda na semana passada entre Hugo Motta e os líderes da oposição. O presidente da Câmara, inclusive, já tinha conhecimento de que o relatório do deputado Alfredo Gaspar (União-AL) tinha a previsão de também beneficiar Bolsonaro. 

Para dar celeridade ao tema, Motta justificou que não haveria debate sobre o projeto dentro do plenário. O deputado alegou que o tema já havia sido amplamente discutido na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). 

“A matéria foi amplamente discutida por aproximadamente três dezenas de parlamentares em reuniões que totalizaram mais de 10 horas no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania”, alegou Motta. 

A decisão da Câmara se baseou no artigo 53 da Constituição, que trata sobre a imunidade parlamentar e permite que a Casa ou o Senado interrompam ações penais contra parlamentares durante o mandato deles, desde que sejam sobre crimes cometidos após a diplomação.  

“Quem escolheu colocar o Ramagem e os outros numa mesma denúncia? Foi o Ministério Público, que, sabendo que ele era deputado, sabendo que ele estava no núcleo principal, segundo a denúncia, poderia ter tido o cuidado de fazer uma denúncia em apartado. Não, o Ministério Público colocou todos no mesmo vagão do trem”, disse o relator sobre incluir os demais réus no projeto de suspensão. 

Gaspar, que fez carreira no Ministério Público e já exerceu o cargo de procurador-geral em Alagoas, defende que eventuais crimes atribuídos a Ramagem ocorreram após sua diplomação ou, se começaram antes, continuaram até os eventos de 8 de janeiro de 2023. Por isso, entrariam na hipótese de que a Câmara tem prerrogativa de opinar e sustar o processo. 

VEJA TAMBÉM:

  • Deputados ignoraram pressão do STF e votaram para sustar ação penal contra o deputado Ramagem e o ex-presidente Bolsonaro

    Derrubada da ação penal contra Ramagem e Bolsonaro escala tensão entre Câmara e STF

  • 1ª Turma do STF julgará decisão da Câmara que livra Ramagem

    Primeira Turma do STF julgará decisão da Câmara que trava ação contra Ramagem

STF deve restringir medida aprovada na Câmara

Apesar de o requerimento aprovado na Câmara prever a suspensão integral da ação penal aberta contra Ramagem – o que abrangeria todos os crimes imputados a ele e também a outros sete réus do processo, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro – a tendência é de que o STF restrinja a suspensão a alguns crimes apenas do deputado.

Em abril, o relator do caso, Alexandre de Moraes, e o presidente da Primeira Turma do STF, Cristiano Zanin, já haviam se manifestado no sentido de limitar a suspensão apenas a Ramagem e a dois crimes de que ele foi acusado: dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima (cuja pena pode alcançar 3 anos de detenção); e deterioração de patrimônio tombado (pena de até 3 anos de reclusão).

Com isso, no entendimento dos ministros, a ação penal continuaria em andamento contra Ramagem pelos crimes de organização criminosa armada (com pena de até 8 anos de reclusão, com possibilidade de aumento, em caso de condenação); abolição violenta do Estado Democrático de Direito (até 8 anos de reclusão); e tentativa de golpe de Estado (até 12 anos de prisão).

A restrição da suspensão somente a Ramagem se baseia numa súmula do STF (decisão que consolida uma jurisprudência) segundo a qual “a imunidade parlamentar não se estende ao corréu sem essa prerrogativa” (súmula 245). Já a limitação quanto aos crimes decorre da própria regra da Constituição sobre a possibilidade de suspensão da ação penal. Ela diz que ela vale para “crime ocorrido após a diplomação”.

A diplomação de Ramagem para exercer o mandato de deputado federal ocorreu em 16 de dezembro de 2022. Em abril, após a abertura da ação penal, Moraes despachou no processo definindo que, no caso do golpe, apenas os crimes de dano e deterioração do patrimônio teriam ocorrido após a diplomação de Ramagem: os atos de vandalismo praticados no dia 8 de janeiro de 2023, na invasão das sedes dos Poderes em Brasília.

A delimitação é questionável e foi rebatida no requerimento de suspensão aprovado na Câmara. O parecer do deputado Alfredo Gaspar (União-AL) defendeu a suspensão de todos os crimes. Ele argumentou que, segundo o entendimento do próprio STF, o crime de organização criminosa tem natureza permanente. Além disso, a própria denúncia apontava que ela teria durado de julho de 2021 a janeiro de 2023.

O parecer aprovado na Câmara também argumentava que a imputação de crimes contra a democracia também deveria ser suspensa, uma vez que a consumação deles só teria ocorrido também em 8 de janeiro. A tese é de que nesse momento se efetivaram atos de “violência e grave ameaça”, elementos necessários para a configuração desses delitos. Assim, todos os crimes teriam ocorrido após a diplomação de Ramagem e, portanto, estariam cobertos por eventual suspensão.

A tendência, de qualquer modo, é de que a Primeira Turma siga o entendimento de Moraes para restringir somente a Ramagem, e aos crimes de dano, a suspensão da ação penal. Para isso, o colegiado deverá se reunir novamente para determinar essa limitação e dar continuidade ao restante da ação contra Bolsonaro e outros réus.

Moraes pediu a Zanin uma sessão virtual, na qual os ministros da Primeira Turma definirão os limites da suspensão da ação penal. A sessão começará nesta sexta (9), às 11h, e vai até as 11h da próxima terça (13).

Governo Lula espera que STF derrube decisão da Câmara  

O placar para aprovação do requerimento que suspendeu a ação contra Ramagem contou com amplo apoio entre os parlamentares do Centrão, incluindo partidos que integram a base do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O Palácio do Planalto chegou a mobilizar os seus ministros e líderes antes da votação, mas ação foi inócua diante do placar de 315 votos a favor e 143 contrários. 

Reservadamente, parlamentares dos partidos de esquerda admitem que o resultado só não foi maior por conta da extensão do benefício também ao ex-presidente Jair Bolsonaro. A bancada do PDT, por exemplo, chegou a procurar Hugo Motta para sinalizar que votaria com a oposição, caso o texto ficasse restrito apenas ao deputado Ramagem. 

Apesar do alinhamento histórico com os governos petistas, o PDT deixou formalmente a base governista nesta semana, após a demissão de Carlos Lupi do Ministério da Previdência. O pedetista deixou o cargo em meio ao escândalo dos desvios irregulares das contas dos aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).  

Por outro lado, integrantes do Palácio do Planalto também apostam que o próprio STF vai derrubar o texto aprovado pela Câmara. Antes de o caso ser analisado pelos deputados, o ministro Cristiano Zanin enviou um ofício à Câmara informando que o processo não poderia ser suspendido como um todo pela Casa, mas apenas os crimes cometidos após a diplomação de Ramagem como deputado, o que ocorreu em dezembro de 2022. 

Zanin, indicado ao STF por Lula, é presidente da Primeira Turma da Corte, onde tramita o processo contra Ramagem e os contra os demais réus no inquérito do suposto golpe. No entendimento do magistrado, portanto, poderiam ser paralisadas apenas as análises de dois dos cinco crimes pelos quais o deputado responde: 

  • dano qualificado (com violência, com grave ameaça, contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima); 
  • e deterioração de patrimônio tombado. 

Nesta quinta-feira (8), as bancadas do PT e do Psol sinalizaram que pretendem recorrer ao STF por causa da votação no plenário da Câmara.

Se o entendimento do STF prevalecer, mesmo com a suspensão, o deputado responderá por abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa, crimes que estariam em curso antes da diplomação de Ramagem. “A gente vai recorrer à Justiça. Estamos vendo os instrumentos”, informou o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), a jornalistas.  

“O Psol vai entrar com ADPF [Arguição de descumprimento de preceito fundamental] contra a decisão da Câmara pela sustação da ação penal contra o delegado Ramagem”, informou a legenda.

Na semana passada, durante reunião de líderes, Hugo Motta chegou a reclamar da decisão dos partidos de “tentar judicializar” questões internas do Parlamento. O pedido do presidente da Câmara, no entanto, foi ignorado pela bancada do PT. 

“Ele [Motta] falou que a gente tem que parar de recorrer ao Supremo, só que neste caso, a gente recorreu. Continuo achando que fiz de forma correta. Imagina a Câmara trancar ação penal antes do julgamento de Bolsonaro”, disse Lindbergh Farias. 

A expectativa entre os governistas é de o projeto da Câmara tenha validade apenas para crimes imputados a Ramagem depois de sua diplomação. As demais acusações contra o parlamentar e aos demais réus deverão prosseguir normalmente. Ou seja, a ação penal não será travada dentro do Supremo Tribunal Federal. 

Além de Ramagem e Bolsonaro, veja abaixo os demais réus que podem ser beneficiados: 

  • Almir Garnier, ex-comandante da Marinha 
  • Anderson Torres, ex-ministro da Justiça 
  • Augusto Heleno, ex-ministro do GSI 
  • Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência da República 
  • Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa 
  • Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e vice na chapa de Bolsonaro nas eleições de 2022 

Motta não deve travar embate sobre manifestação do STF no caso Ramagem 

Apesar de ter usado o caso envolvendo Ramagem para fazer um aceno à oposição, aliados de Motta sinalizam que o presidente da Câmara não deve travar um embate com o STF diante de uma possível limitação do projeto aprovado pelos deputados. A avaliação dessa ala é de que o deputado cumpriu seu acordo com o PL em colocar o tema para ser aprovado no plenário. 

Motta tem evitado embates diretos com o Supremo desde que assumiu o comando da Câmara, em fevereiro deste ano. Além de segurar o projeto da anistia, Motta tem feito diversos acenos também ao Judiciário ao longo dos últimos meses, como por exemplo ao acelerar a votação de projetos que ampliam cargos no STF. 

A estratégia tem como pano de fundo, por exemplo, a tentativa de Motta de que a Corte também não declare a inconstitucionalidade de um projeto que amplia de 513 para 531 o número de deputados. O texto foi aprovado nesta semana e agora segue para análise do Senado. 

A Constituição estabelece que o número de deputados federais deve ser proporcional à população, respeitando o limite mínimo de 8 e o máximo de 70 por unidade da federação. O cálculo é feito com base nos dados do Censo Demográfico do IBGE. 

A necessidade de rever a distribuição de cadeiras surgiu após decisão, em agosto de 2023, do Supremo Tribunal Federal (STF) ao acatar uma ação do governo do Pará que apontou omissão do Legislativo em atualizar o número de deputados de acordo com a mudança populacional, como previsto na Constituição. A Corte deu prazo até 30 de junho para o Congresso aprovar a redistribuição de vagas de acordo com o Censo de 2022, sob pena de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) realizá-la. 

Caso fossem acatados os dados do Censo de 2022, estados como a Paraíba, do próprio Motta, Rio de Janeiro, Bahia e Rio Grande do Sul, por exemplo, perderiam cadeiras a partir da próxima legislatura. Para contornar a regra, o presidente da Câmara passou a costurar um projeto que amplia o número de vagas dentro da Casa. 

Por isso, a expectativa entre os líderes do Centrão é de que justamente o presidente da Câmara não trave um embate com o STF no caso Ramagem.

O projeto sobre a ampliação do número de deputados foi criticado por alguns integrantes do plenário e, segundo Kim Kataguiri (União-SP), o texto “faz uma acomodação de interesses, para ninguém perder e todo mundo continuar vivendo na mediocridade”. 

“O que esta Casa está aprovando é um texto inconstitucional, é um texto que muito provavelmente vai ser derrubado amanhã pelo Supremo Tribunal Federal. Depois vai haver gente reclamando de intervenção do Supremo. A gente está aumentando uma distorção que já existe, descumprindo o texto da Constituição, piorando a representação e ainda aumentando o número total de deputados federais”, argumenta Kataguiri. 

O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), enviou, ainda na noite de quarta-feira (7), um ofício ao ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), comunicando sobre a decisão da Casa que suspende o processo contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) no caso da suposta tentativa de golpe de Estado. A Resolução 18/25 também prevê a suspensão da ação penal contra outros sete réus, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Mas, apesar da aprovação da medida na Câmara, o STF deve restringir a suspensão a alguns crimes apenas no caso do deputado.

A comunicação ao STF sobre a votação é um rito formal e a celeridade de Motta em encaminhar o ofício logo após a aprovação foi vista entre líderes da oposição como um aceno do presidente da Câmara ao grupo. O deputado pautou o projeto no plenário no mesmo dia da manifestação organizada pela direita em defesa da anistia aos presos do 8 de janeiro na Esplanada dos Ministérios. 

Motta tem resistido em colocar para votação o projeto da anistia. Segundo seus aliados mais próximos, o caso envolvendo Ramagem foi uma tentativa de fazer um aceno aos parlamentares do PL. No ato que aconteceu em Brasília, por exemplo, o pastor Silas Malafaia evitou criticar diretamente o presidente da Câmara, pois o partido do ex-presidente Jair Bolsonaro ainda mantém a aliança com o deputado. 

“Presidente Hugo Motta, refiro-me à Vossa Excelência com muito respeito e gratidão, porque, na política, gestos são eternizados. Hoje o seu gesto foi o de respeitar o trâmite, respeitar a Constituição e, em tempo apropriado, conforme preconiza a nossa Constituição, atender ao pedido do Partido Liberal quanto ao recurso concernente ao deputado Ramagem. Que fique registrada a gratidão do Partido Liberal”, disse Sóstenes Cavalcante (RJ), líder do PL na Câmara. 

O acordo para votação do projeto que beneficia Ramagem e os demais réus no processo do STF foi acertado ainda na semana passada entre Hugo Motta e os líderes da oposição. O presidente da Câmara, inclusive, já tinha conhecimento de que o relatório do deputado Alfredo Gaspar (União-AL) tinha a previsão de também beneficiar Bolsonaro. 

Para dar celeridade ao tema, Motta justificou que não haveria debate sobre o projeto dentro do plenário. O deputado alegou que o tema já havia sido amplamente discutido na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). 

“A matéria foi amplamente discutida por aproximadamente três dezenas de parlamentares em reuniões que totalizaram mais de 10 horas no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania”, alegou Motta. 

A decisão da Câmara se baseou no artigo 53 da Constituição, que trata sobre a imunidade parlamentar e permite que a Casa ou o Senado interrompam ações penais contra parlamentares durante o mandato deles, desde que sejam sobre crimes cometidos após a diplomação.  

“Quem escolheu colocar o Ramagem e os outros numa mesma denúncia? Foi o Ministério Público, que, sabendo que ele era deputado, sabendo que ele estava no núcleo principal, segundo a denúncia, poderia ter tido o cuidado de fazer uma denúncia em apartado. Não, o Ministério Público colocou todos no mesmo vagão do trem”, disse o relator sobre incluir os demais réus no projeto de suspensão. 

Gaspar, que fez carreira no Ministério Público e já exerceu o cargo de procurador-geral em Alagoas, defende que eventuais crimes atribuídos a Ramagem ocorreram após sua diplomação ou, se começaram antes, continuaram até os eventos de 8 de janeiro de 2023. Por isso, entrariam na hipótese de que a Câmara tem prerrogativa de opinar e sustar o processo. 

VEJA TAMBÉM:

  • Deputados ignoraram pressão do STF e votaram para sustar ação penal contra o deputado Ramagem e o ex-presidente Bolsonaro

    Derrubada da ação penal contra Ramagem e Bolsonaro escala tensão entre Câmara e STF

  • 1ª Turma do STF julgará decisão da Câmara que livra Ramagem

    Primeira Turma do STF julgará decisão da Câmara que trava ação contra Ramagem

STF deve restringir medida aprovada na Câmara

Apesar de o requerimento aprovado na Câmara prever a suspensão integral da ação penal aberta contra Ramagem – o que abrangeria todos os crimes imputados a ele e também a outros sete réus do processo, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro – a tendência é de que o STF restrinja a suspensão a alguns crimes apenas do deputado.

Em abril, o relator do caso, Alexandre de Moraes, e o presidente da Primeira Turma do STF, Cristiano Zanin, já haviam se manifestado no sentido de limitar a suspensão apenas a Ramagem e a dois crimes de que ele foi acusado: dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima (cuja pena pode alcançar 3 anos de detenção); e deterioração de patrimônio tombado (pena de até 3 anos de reclusão).

Com isso, no entendimento dos ministros, a ação penal continuaria em andamento contra Ramagem pelos crimes de organização criminosa armada (com pena de até 8 anos de reclusão, com possibilidade de aumento, em caso de condenação); abolição violenta do Estado Democrático de Direito (até 8 anos de reclusão); e tentativa de golpe de Estado (até 12 anos de prisão).

A restrição da suspensão somente a Ramagem se baseia numa súmula do STF (decisão que consolida uma jurisprudência) segundo a qual “a imunidade parlamentar não se estende ao corréu sem essa prerrogativa” (súmula 245). Já a limitação quanto aos crimes decorre da própria regra da Constituição sobre a possibilidade de suspensão da ação penal. Ela diz que ela vale para “crime ocorrido após a diplomação”.

A diplomação de Ramagem para exercer o mandato de deputado federal ocorreu em 16 de dezembro de 2022. Em abril, após a abertura da ação penal, Moraes despachou no processo definindo que, no caso do golpe, apenas os crimes de dano e deterioração do patrimônio teriam ocorrido após a diplomação de Ramagem: os atos de vandalismo praticados no dia 8 de janeiro de 2023, na invasão das sedes dos Poderes em Brasília.

A delimitação é questionável e foi rebatida no requerimento de suspensão aprovado na Câmara. O parecer do deputado Alfredo Gaspar (União-AL) defendeu a suspensão de todos os crimes. Ele argumentou que, segundo o entendimento do próprio STF, o crime de organização criminosa tem natureza permanente. Além disso, a própria denúncia apontava que ela teria durado de julho de 2021 a janeiro de 2023.

O parecer aprovado na Câmara também argumentava que a imputação de crimes contra a democracia também deveria ser suspensa, uma vez que a consumação deles só teria ocorrido também em 8 de janeiro. A tese é de que nesse momento se efetivaram atos de “violência e grave ameaça”, elementos necessários para a configuração desses delitos. Assim, todos os crimes teriam ocorrido após a diplomação de Ramagem e, portanto, estariam cobertos por eventual suspensão.

A tendência, de qualquer modo, é de que a Primeira Turma siga o entendimento de Moraes para restringir somente a Ramagem, e aos crimes de dano, a suspensão da ação penal. Para isso, o colegiado deverá se reunir novamente para determinar essa limitação e dar continuidade ao restante da ação contra Bolsonaro e outros réus.

Moraes pediu a Zanin uma sessão virtual, na qual os ministros da Primeira Turma definirão os limites da suspensão da ação penal. A sessão começará nesta sexta (9), às 11h, e vai até as 11h da próxima terça (13).

Governo Lula espera que STF derrube decisão da Câmara  

O placar para aprovação do requerimento que suspendeu a ação contra Ramagem contou com amplo apoio entre os parlamentares do Centrão, incluindo partidos que integram a base do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O Palácio do Planalto chegou a mobilizar os seus ministros e líderes antes da votação, mas ação foi inócua diante do placar de 315 votos a favor e 143 contrários. 

Reservadamente, parlamentares dos partidos de esquerda admitem que o resultado só não foi maior por conta da extensão do benefício também ao ex-presidente Jair Bolsonaro. A bancada do PDT, por exemplo, chegou a procurar Hugo Motta para sinalizar que votaria com a oposição, caso o texto ficasse restrito apenas ao deputado Ramagem. 

Apesar do alinhamento histórico com os governos petistas, o PDT deixou formalmente a base governista nesta semana, após a demissão de Carlos Lupi do Ministério da Previdência. O pedetista deixou o cargo em meio ao escândalo dos desvios irregulares das contas dos aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).  

Por outro lado, integrantes do Palácio do Planalto também apostam que o próprio STF vai derrubar o texto aprovado pela Câmara. Antes de o caso ser analisado pelos deputados, o ministro Cristiano Zanin enviou um ofício à Câmara informando que o processo não poderia ser suspendido como um todo pela Casa, mas apenas os crimes cometidos após a diplomação de Ramagem como deputado, o que ocorreu em dezembro de 2022. 

Zanin, indicado ao STF por Lula, é presidente da Primeira Turma da Corte, onde tramita o processo contra Ramagem e os contra os demais réus no inquérito do suposto golpe. No entendimento do magistrado, portanto, poderiam ser paralisadas apenas as análises de dois dos cinco crimes pelos quais o deputado responde: 

  • dano qualificado (com violência, com grave ameaça, contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima); 
  • e deterioração de patrimônio tombado. 

Nesta quinta-feira (8), as bancadas do PT e do Psol sinalizaram que pretendem recorrer ao STF por causa da votação no plenário da Câmara.

Se o entendimento do STF prevalecer, mesmo com a suspensão, o deputado responderá por abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa, crimes que estariam em curso antes da diplomação de Ramagem. “A gente vai recorrer à Justiça. Estamos vendo os instrumentos”, informou o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), a jornalistas.  

“O Psol vai entrar com ADPF [Arguição de descumprimento de preceito fundamental] contra a decisão da Câmara pela sustação da ação penal contra o delegado Ramagem”, informou a legenda.

Na semana passada, durante reunião de líderes, Hugo Motta chegou a reclamar da decisão dos partidos de “tentar judicializar” questões internas do Parlamento. O pedido do presidente da Câmara, no entanto, foi ignorado pela bancada do PT. 

“Ele [Motta] falou que a gente tem que parar de recorrer ao Supremo, só que neste caso, a gente recorreu. Continuo achando que fiz de forma correta. Imagina a Câmara trancar ação penal antes do julgamento de Bolsonaro”, disse Lindbergh Farias. 

A expectativa entre os governistas é de o projeto da Câmara tenha validade apenas para crimes imputados a Ramagem depois de sua diplomação. As demais acusações contra o parlamentar e aos demais réus deverão prosseguir normalmente. Ou seja, a ação penal não será travada dentro do Supremo Tribunal Federal. 

Além de Ramagem e Bolsonaro, veja abaixo os demais réus que podem ser beneficiados: 

  • Almir Garnier, ex-comandante da Marinha 
  • Anderson Torres, ex-ministro da Justiça 
  • Augusto Heleno, ex-ministro do GSI 
  • Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência da República 
  • Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa 
  • Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e vice na chapa de Bolsonaro nas eleições de 2022 

Motta não deve travar embate sobre manifestação do STF no caso Ramagem 

Apesar de ter usado o caso envolvendo Ramagem para fazer um aceno à oposição, aliados de Motta sinalizam que o presidente da Câmara não deve travar um embate com o STF diante de uma possível limitação do projeto aprovado pelos deputados. A avaliação dessa ala é de que o deputado cumpriu seu acordo com o PL em colocar o tema para ser aprovado no plenário. 

Motta tem evitado embates diretos com o Supremo desde que assumiu o comando da Câmara, em fevereiro deste ano. Além de segurar o projeto da anistia, Motta tem feito diversos acenos também ao Judiciário ao longo dos últimos meses, como por exemplo ao acelerar a votação de projetos que ampliam cargos no STF. 

A estratégia tem como pano de fundo, por exemplo, a tentativa de Motta de que a Corte também não declare a inconstitucionalidade de um projeto que amplia de 513 para 531 o número de deputados. O texto foi aprovado nesta semana e agora segue para análise do Senado. 

A Constituição estabelece que o número de deputados federais deve ser proporcional à população, respeitando o limite mínimo de 8 e o máximo de 70 por unidade da federação. O cálculo é feito com base nos dados do Censo Demográfico do IBGE. 

A necessidade de rever a distribuição de cadeiras surgiu após decisão, em agosto de 2023, do Supremo Tribunal Federal (STF) ao acatar uma ação do governo do Pará que apontou omissão do Legislativo em atualizar o número de deputados de acordo com a mudança populacional, como previsto na Constituição. A Corte deu prazo até 30 de junho para o Congresso aprovar a redistribuição de vagas de acordo com o Censo de 2022, sob pena de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) realizá-la. 

Caso fossem acatados os dados do Censo de 2022, estados como a Paraíba, do próprio Motta, Rio de Janeiro, Bahia e Rio Grande do Sul, por exemplo, perderiam cadeiras a partir da próxima legislatura. Para contornar a regra, o presidente da Câmara passou a costurar um projeto que amplia o número de vagas dentro da Casa. 

Por isso, a expectativa entre os líderes do Centrão é de que justamente o presidente da Câmara não trave um embate com o STF no caso Ramagem.

O projeto sobre a ampliação do número de deputados foi criticado por alguns integrantes do plenário e, segundo Kim Kataguiri (União-SP), o texto “faz uma acomodação de interesses, para ninguém perder e todo mundo continuar vivendo na mediocridade”. 

“O que esta Casa está aprovando é um texto inconstitucional, é um texto que muito provavelmente vai ser derrubado amanhã pelo Supremo Tribunal Federal. Depois vai haver gente reclamando de intervenção do Supremo. A gente está aumentando uma distorção que já existe, descumprindo o texto da Constituição, piorando a representação e ainda aumentando o número total de deputados federais”, argumenta Kataguiri. 



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