O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), enviou, ainda na noite de quarta-feira (7), um ofício ao ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), comunicando sobre a decisão da Casa que suspende o processo contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) no caso da suposta tentativa de golpe de Estado. A Resolução 18/25 também prevê a suspensão da ação penal contra outros sete réus, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Mas, apesar da aprovação da medida na Câmara, o STF deve restringir a suspensão a alguns crimes apenas no caso do deputado.
A comunicação ao STF sobre a votação é um rito formal e a celeridade de Motta em encaminhar o ofício logo após a aprovação foi vista entre líderes da oposição como um aceno do presidente da Câmara ao grupo. O deputado pautou o projeto no plenário no mesmo dia da manifestação organizada pela direita em defesa da anistia aos presos do 8 de janeiro na Esplanada dos Ministérios.
Motta tem resistido em colocar para votação o projeto da anistia. Segundo seus aliados mais próximos, o caso envolvendo Ramagem foi uma tentativa de fazer um aceno aos parlamentares do PL. No ato que aconteceu em Brasília, por exemplo, o pastor Silas Malafaia evitou criticar diretamente o presidente da Câmara, pois o partido do ex-presidente Jair Bolsonaro ainda mantém a aliança com o deputado.
“Presidente Hugo Motta, refiro-me à Vossa Excelência com muito respeito e gratidão, porque, na política, gestos são eternizados. Hoje o seu gesto foi o de respeitar o trâmite, respeitar a Constituição e, em tempo apropriado, conforme preconiza a nossa Constituição, atender ao pedido do Partido Liberal quanto ao recurso concernente ao deputado Ramagem. Que fique registrada a gratidão do Partido Liberal”, disse Sóstenes Cavalcante (RJ), líder do PL na Câmara.
O acordo para votação do projeto que beneficia Ramagem e os demais réus no processo do STF foi acertado ainda na semana passada entre Hugo Motta e os líderes da oposição. O presidente da Câmara, inclusive, já tinha conhecimento de que o relatório do deputado Alfredo Gaspar (União-AL) tinha a previsão de também beneficiar Bolsonaro.
Para dar celeridade ao tema, Motta justificou que não haveria debate sobre o projeto dentro do plenário. O deputado alegou que o tema já havia sido amplamente discutido na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
“A matéria foi amplamente discutida por aproximadamente três dezenas de parlamentares em reuniões que totalizaram mais de 10 horas no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania”, alegou Motta.
A decisão da Câmara se baseou no artigo 53 da Constituição, que trata sobre a imunidade parlamentar e permite que a Casa ou o Senado interrompam ações penais contra parlamentares durante o mandato deles, desde que sejam sobre crimes cometidos após a diplomação.
“Quem escolheu colocar o Ramagem e os outros numa mesma denúncia? Foi o Ministério Público, que, sabendo que ele era deputado, sabendo que ele estava no núcleo principal, segundo a denúncia, poderia ter tido o cuidado de fazer uma denúncia em apartado. Não, o Ministério Público colocou todos no mesmo vagão do trem”, disse o relator sobre incluir os demais réus no projeto de suspensão.
Gaspar, que fez carreira no Ministério Público e já exerceu o cargo de procurador-geral em Alagoas, defende que eventuais crimes atribuídos a Ramagem ocorreram após sua diplomação ou, se começaram antes, continuaram até os eventos de 8 de janeiro de 2023. Por isso, entrariam na hipótese de que a Câmara tem prerrogativa de opinar e sustar o processo.
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STF deve restringir medida aprovada na Câmara
Apesar de o requerimento aprovado na Câmara prever a suspensão integral da ação penal aberta contra Ramagem – o que abrangeria todos os crimes imputados a ele e também a outros sete réus do processo, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro – a tendência é de que o STF restrinja a suspensão a alguns crimes apenas do deputado.
Em abril, o relator do caso, Alexandre de Moraes, e o presidente da Primeira Turma do STF, Cristiano Zanin, já haviam se manifestado no sentido de limitar a suspensão apenas a Ramagem e a dois crimes de que ele foi acusado: dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima (cuja pena pode alcançar 3 anos de detenção); e deterioração de patrimônio tombado (pena de até 3 anos de reclusão).
Com isso, no entendimento dos ministros, a ação penal continuaria em andamento contra Ramagem pelos crimes de organização criminosa armada (com pena de até 8 anos de reclusão, com possibilidade de aumento, em caso de condenação); abolição violenta do Estado Democrático de Direito (até 8 anos de reclusão); e tentativa de golpe de Estado (até 12 anos de prisão).
A restrição da suspensão somente a Ramagem se baseia numa súmula do STF (decisão que consolida uma jurisprudência) segundo a qual “a imunidade parlamentar não se estende ao corréu sem essa prerrogativa” (súmula 245). Já a limitação quanto aos crimes decorre da própria regra da Constituição sobre a possibilidade de suspensão da ação penal. Ela diz que ela vale para “crime ocorrido após a diplomação”.
A diplomação de Ramagem para exercer o mandato de deputado federal ocorreu em 16 de dezembro de 2022. Em abril, após a abertura da ação penal, Moraes despachou no processo definindo que, no caso do golpe, apenas os crimes de dano e deterioração do patrimônio teriam ocorrido após a diplomação de Ramagem: os atos de vandalismo praticados no dia 8 de janeiro de 2023, na invasão das sedes dos Poderes em Brasília.
A delimitação é questionável e foi rebatida no requerimento de suspensão aprovado na Câmara. O parecer do deputado Alfredo Gaspar (União-AL) defendeu a suspensão de todos os crimes. Ele argumentou que, segundo o entendimento do próprio STF, o crime de organização criminosa tem natureza permanente. Além disso, a própria denúncia apontava que ela teria durado de julho de 2021 a janeiro de 2023.
O parecer aprovado na Câmara também argumentava que a imputação de crimes contra a democracia também deveria ser suspensa, uma vez que a consumação deles só teria ocorrido também em 8 de janeiro. A tese é de que nesse momento se efetivaram atos de “violência e grave ameaça”, elementos necessários para a configuração desses delitos. Assim, todos os crimes teriam ocorrido após a diplomação de Ramagem e, portanto, estariam cobertos por eventual suspensão.
A tendência, de qualquer modo, é de que a Primeira Turma siga o entendimento de Moraes para restringir somente a Ramagem, e aos crimes de dano, a suspensão da ação penal. Para isso, o colegiado deverá se reunir novamente para determinar essa limitação e dar continuidade ao restante da ação contra Bolsonaro e outros réus.
Moraes pediu a Zanin uma sessão virtual, na qual os ministros da Primeira Turma definirão os limites da suspensão da ação penal. A sessão começará nesta sexta (9), às 11h, e vai até as 11h da próxima terça (13).
Governo Lula espera que STF derrube decisão da Câmara
O placar para aprovação do requerimento que suspendeu a ação contra Ramagem contou com amplo apoio entre os parlamentares do Centrão, incluindo partidos que integram a base do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O Palácio do Planalto chegou a mobilizar os seus ministros e líderes antes da votação, mas ação foi inócua diante do placar de 315 votos a favor e 143 contrários.
Reservadamente, parlamentares dos partidos de esquerda admitem que o resultado só não foi maior por conta da extensão do benefício também ao ex-presidente Jair Bolsonaro. A bancada do PDT, por exemplo, chegou a procurar Hugo Motta para sinalizar que votaria com a oposição, caso o texto ficasse restrito apenas ao deputado Ramagem.
Apesar do alinhamento histórico com os governos petistas, o PDT deixou formalmente a base governista nesta semana, após a demissão de Carlos Lupi do Ministério da Previdência. O pedetista deixou o cargo em meio ao escândalo dos desvios irregulares das contas dos aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Por outro lado, integrantes do Palácio do Planalto também apostam que o próprio STF vai derrubar o texto aprovado pela Câmara. Antes de o caso ser analisado pelos deputados, o ministro Cristiano Zanin enviou um ofício à Câmara informando que o processo não poderia ser suspendido como um todo pela Casa, mas apenas os crimes cometidos após a diplomação de Ramagem como deputado, o que ocorreu em dezembro de 2022.
Zanin, indicado ao STF por Lula, é presidente da Primeira Turma da Corte, onde tramita o processo contra Ramagem e os contra os demais réus no inquérito do suposto golpe. No entendimento do magistrado, portanto, poderiam ser paralisadas apenas as análises de dois dos cinco crimes pelos quais o deputado responde:
- dano qualificado (com violência, com grave ameaça, contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima);
- e deterioração de patrimônio tombado.
Nesta quinta-feira (8), as bancadas do PT e do Psol sinalizaram que pretendem recorrer ao STF por causa da votação no plenário da Câmara.
Se o entendimento do STF prevalecer, mesmo com a suspensão, o deputado responderá por abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa, crimes que estariam em curso antes da diplomação de Ramagem. “A gente vai recorrer à Justiça. Estamos vendo os instrumentos”, informou o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), a jornalistas.
“O Psol vai entrar com ADPF [Arguição de descumprimento de preceito fundamental] contra a decisão da Câmara pela sustação da ação penal contra o delegado Ramagem”, informou a legenda.
Na semana passada, durante reunião de líderes, Hugo Motta chegou a reclamar da decisão dos partidos de “tentar judicializar” questões internas do Parlamento. O pedido do presidente da Câmara, no entanto, foi ignorado pela bancada do PT.
“Ele [Motta] falou que a gente tem que parar de recorrer ao Supremo, só que neste caso, a gente recorreu. Continuo achando que fiz de forma correta. Imagina a Câmara trancar ação penal antes do julgamento de Bolsonaro”, disse Lindbergh Farias.
A expectativa entre os governistas é de o projeto da Câmara tenha validade apenas para crimes imputados a Ramagem depois de sua diplomação. As demais acusações contra o parlamentar e aos demais réus deverão prosseguir normalmente. Ou seja, a ação penal não será travada dentro do Supremo Tribunal Federal.
Além de Ramagem e Bolsonaro, veja abaixo os demais réus que podem ser beneficiados:
- Almir Garnier, ex-comandante da Marinha
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça
- Augusto Heleno, ex-ministro do GSI
- Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência da República
- Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa
- Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e vice na chapa de Bolsonaro nas eleições de 2022
Motta não deve travar embate sobre manifestação do STF no caso Ramagem
Apesar de ter usado o caso envolvendo Ramagem para fazer um aceno à oposição, aliados de Motta sinalizam que o presidente da Câmara não deve travar um embate com o STF diante de uma possível limitação do projeto aprovado pelos deputados. A avaliação dessa ala é de que o deputado cumpriu seu acordo com o PL em colocar o tema para ser aprovado no plenário.
Motta tem evitado embates diretos com o Supremo desde que assumiu o comando da Câmara, em fevereiro deste ano. Além de segurar o projeto da anistia, Motta tem feito diversos acenos também ao Judiciário ao longo dos últimos meses, como por exemplo ao acelerar a votação de projetos que ampliam cargos no STF.
A estratégia tem como pano de fundo, por exemplo, a tentativa de Motta de que a Corte também não declare a inconstitucionalidade de um projeto que amplia de 513 para 531 o número de deputados. O texto foi aprovado nesta semana e agora segue para análise do Senado.
A Constituição estabelece que o número de deputados federais deve ser proporcional à população, respeitando o limite mínimo de 8 e o máximo de 70 por unidade da federação. O cálculo é feito com base nos dados do Censo Demográfico do IBGE.
A necessidade de rever a distribuição de cadeiras surgiu após decisão, em agosto de 2023, do Supremo Tribunal Federal (STF) ao acatar uma ação do governo do Pará que apontou omissão do Legislativo em atualizar o número de deputados de acordo com a mudança populacional, como previsto na Constituição. A Corte deu prazo até 30 de junho para o Congresso aprovar a redistribuição de vagas de acordo com o Censo de 2022, sob pena de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) realizá-la.
Caso fossem acatados os dados do Censo de 2022, estados como a Paraíba, do próprio Motta, Rio de Janeiro, Bahia e Rio Grande do Sul, por exemplo, perderiam cadeiras a partir da próxima legislatura. Para contornar a regra, o presidente da Câmara passou a costurar um projeto que amplia o número de vagas dentro da Casa.
Por isso, a expectativa entre os líderes do Centrão é de que justamente o presidente da Câmara não trave um embate com o STF no caso Ramagem.
O projeto sobre a ampliação do número de deputados foi criticado por alguns integrantes do plenário e, segundo Kim Kataguiri (União-SP), o texto “faz uma acomodação de interesses, para ninguém perder e todo mundo continuar vivendo na mediocridade”.
“O que esta Casa está aprovando é um texto inconstitucional, é um texto que muito provavelmente vai ser derrubado amanhã pelo Supremo Tribunal Federal. Depois vai haver gente reclamando de intervenção do Supremo. A gente está aumentando uma distorção que já existe, descumprindo o texto da Constituição, piorando a representação e ainda aumentando o número total de deputados federais”, argumenta Kataguiri.
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), enviou, ainda na noite de quarta-feira (7), um ofício ao ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), comunicando sobre a decisão da Casa que suspende o processo contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) no caso da suposta tentativa de golpe de Estado. A Resolução 18/25 também prevê a suspensão da ação penal contra outros sete réus, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Mas, apesar da aprovação da medida na Câmara, o STF deve restringir a suspensão a alguns crimes apenas no caso do deputado.
A comunicação ao STF sobre a votação é um rito formal e a celeridade de Motta em encaminhar o ofício logo após a aprovação foi vista entre líderes da oposição como um aceno do presidente da Câmara ao grupo. O deputado pautou o projeto no plenário no mesmo dia da manifestação organizada pela direita em defesa da anistia aos presos do 8 de janeiro na Esplanada dos Ministérios.
Motta tem resistido em colocar para votação o projeto da anistia. Segundo seus aliados mais próximos, o caso envolvendo Ramagem foi uma tentativa de fazer um aceno aos parlamentares do PL. No ato que aconteceu em Brasília, por exemplo, o pastor Silas Malafaia evitou criticar diretamente o presidente da Câmara, pois o partido do ex-presidente Jair Bolsonaro ainda mantém a aliança com o deputado.
“Presidente Hugo Motta, refiro-me à Vossa Excelência com muito respeito e gratidão, porque, na política, gestos são eternizados. Hoje o seu gesto foi o de respeitar o trâmite, respeitar a Constituição e, em tempo apropriado, conforme preconiza a nossa Constituição, atender ao pedido do Partido Liberal quanto ao recurso concernente ao deputado Ramagem. Que fique registrada a gratidão do Partido Liberal”, disse Sóstenes Cavalcante (RJ), líder do PL na Câmara.
O acordo para votação do projeto que beneficia Ramagem e os demais réus no processo do STF foi acertado ainda na semana passada entre Hugo Motta e os líderes da oposição. O presidente da Câmara, inclusive, já tinha conhecimento de que o relatório do deputado Alfredo Gaspar (União-AL) tinha a previsão de também beneficiar Bolsonaro.
Para dar celeridade ao tema, Motta justificou que não haveria debate sobre o projeto dentro do plenário. O deputado alegou que o tema já havia sido amplamente discutido na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
“A matéria foi amplamente discutida por aproximadamente três dezenas de parlamentares em reuniões que totalizaram mais de 10 horas no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania”, alegou Motta.
A decisão da Câmara se baseou no artigo 53 da Constituição, que trata sobre a imunidade parlamentar e permite que a Casa ou o Senado interrompam ações penais contra parlamentares durante o mandato deles, desde que sejam sobre crimes cometidos após a diplomação.
“Quem escolheu colocar o Ramagem e os outros numa mesma denúncia? Foi o Ministério Público, que, sabendo que ele era deputado, sabendo que ele estava no núcleo principal, segundo a denúncia, poderia ter tido o cuidado de fazer uma denúncia em apartado. Não, o Ministério Público colocou todos no mesmo vagão do trem”, disse o relator sobre incluir os demais réus no projeto de suspensão.
Gaspar, que fez carreira no Ministério Público e já exerceu o cargo de procurador-geral em Alagoas, defende que eventuais crimes atribuídos a Ramagem ocorreram após sua diplomação ou, se começaram antes, continuaram até os eventos de 8 de janeiro de 2023. Por isso, entrariam na hipótese de que a Câmara tem prerrogativa de opinar e sustar o processo.
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Apesar de o requerimento aprovado na Câmara prever a suspensão integral da ação penal aberta contra Ramagem – o que abrangeria todos os crimes imputados a ele e também a outros sete réus do processo, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro – a tendência é de que o STF restrinja a suspensão a alguns crimes apenas do deputado.
Em abril, o relator do caso, Alexandre de Moraes, e o presidente da Primeira Turma do STF, Cristiano Zanin, já haviam se manifestado no sentido de limitar a suspensão apenas a Ramagem e a dois crimes de que ele foi acusado: dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima (cuja pena pode alcançar 3 anos de detenção); e deterioração de patrimônio tombado (pena de até 3 anos de reclusão).
Com isso, no entendimento dos ministros, a ação penal continuaria em andamento contra Ramagem pelos crimes de organização criminosa armada (com pena de até 8 anos de reclusão, com possibilidade de aumento, em caso de condenação); abolição violenta do Estado Democrático de Direito (até 8 anos de reclusão); e tentativa de golpe de Estado (até 12 anos de prisão).
A restrição da suspensão somente a Ramagem se baseia numa súmula do STF (decisão que consolida uma jurisprudência) segundo a qual “a imunidade parlamentar não se estende ao corréu sem essa prerrogativa” (súmula 245). Já a limitação quanto aos crimes decorre da própria regra da Constituição sobre a possibilidade de suspensão da ação penal. Ela diz que ela vale para “crime ocorrido após a diplomação”.
A diplomação de Ramagem para exercer o mandato de deputado federal ocorreu em 16 de dezembro de 2022. Em abril, após a abertura da ação penal, Moraes despachou no processo definindo que, no caso do golpe, apenas os crimes de dano e deterioração do patrimônio teriam ocorrido após a diplomação de Ramagem: os atos de vandalismo praticados no dia 8 de janeiro de 2023, na invasão das sedes dos Poderes em Brasília.
A delimitação é questionável e foi rebatida no requerimento de suspensão aprovado na Câmara. O parecer do deputado Alfredo Gaspar (União-AL) defendeu a suspensão de todos os crimes. Ele argumentou que, segundo o entendimento do próprio STF, o crime de organização criminosa tem natureza permanente. Além disso, a própria denúncia apontava que ela teria durado de julho de 2021 a janeiro de 2023.
O parecer aprovado na Câmara também argumentava que a imputação de crimes contra a democracia também deveria ser suspensa, uma vez que a consumação deles só teria ocorrido também em 8 de janeiro. A tese é de que nesse momento se efetivaram atos de “violência e grave ameaça”, elementos necessários para a configuração desses delitos. Assim, todos os crimes teriam ocorrido após a diplomação de Ramagem e, portanto, estariam cobertos por eventual suspensão.
A tendência, de qualquer modo, é de que a Primeira Turma siga o entendimento de Moraes para restringir somente a Ramagem, e aos crimes de dano, a suspensão da ação penal. Para isso, o colegiado deverá se reunir novamente para determinar essa limitação e dar continuidade ao restante da ação contra Bolsonaro e outros réus.
Moraes pediu a Zanin uma sessão virtual, na qual os ministros da Primeira Turma definirão os limites da suspensão da ação penal. A sessão começará nesta sexta (9), às 11h, e vai até as 11h da próxima terça (13).
Governo Lula espera que STF derrube decisão da Câmara
O placar para aprovação do requerimento que suspendeu a ação contra Ramagem contou com amplo apoio entre os parlamentares do Centrão, incluindo partidos que integram a base do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O Palácio do Planalto chegou a mobilizar os seus ministros e líderes antes da votação, mas ação foi inócua diante do placar de 315 votos a favor e 143 contrários.
Reservadamente, parlamentares dos partidos de esquerda admitem que o resultado só não foi maior por conta da extensão do benefício também ao ex-presidente Jair Bolsonaro. A bancada do PDT, por exemplo, chegou a procurar Hugo Motta para sinalizar que votaria com a oposição, caso o texto ficasse restrito apenas ao deputado Ramagem.
Apesar do alinhamento histórico com os governos petistas, o PDT deixou formalmente a base governista nesta semana, após a demissão de Carlos Lupi do Ministério da Previdência. O pedetista deixou o cargo em meio ao escândalo dos desvios irregulares das contas dos aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Por outro lado, integrantes do Palácio do Planalto também apostam que o próprio STF vai derrubar o texto aprovado pela Câmara. Antes de o caso ser analisado pelos deputados, o ministro Cristiano Zanin enviou um ofício à Câmara informando que o processo não poderia ser suspendido como um todo pela Casa, mas apenas os crimes cometidos após a diplomação de Ramagem como deputado, o que ocorreu em dezembro de 2022.
Zanin, indicado ao STF por Lula, é presidente da Primeira Turma da Corte, onde tramita o processo contra Ramagem e os contra os demais réus no inquérito do suposto golpe. No entendimento do magistrado, portanto, poderiam ser paralisadas apenas as análises de dois dos cinco crimes pelos quais o deputado responde:
- dano qualificado (com violência, com grave ameaça, contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima);
- e deterioração de patrimônio tombado.
Nesta quinta-feira (8), as bancadas do PT e do Psol sinalizaram que pretendem recorrer ao STF por causa da votação no plenário da Câmara.
Se o entendimento do STF prevalecer, mesmo com a suspensão, o deputado responderá por abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa, crimes que estariam em curso antes da diplomação de Ramagem. “A gente vai recorrer à Justiça. Estamos vendo os instrumentos”, informou o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), a jornalistas.
“O Psol vai entrar com ADPF [Arguição de descumprimento de preceito fundamental] contra a decisão da Câmara pela sustação da ação penal contra o delegado Ramagem”, informou a legenda.
Na semana passada, durante reunião de líderes, Hugo Motta chegou a reclamar da decisão dos partidos de “tentar judicializar” questões internas do Parlamento. O pedido do presidente da Câmara, no entanto, foi ignorado pela bancada do PT.
“Ele [Motta] falou que a gente tem que parar de recorrer ao Supremo, só que neste caso, a gente recorreu. Continuo achando que fiz de forma correta. Imagina a Câmara trancar ação penal antes do julgamento de Bolsonaro”, disse Lindbergh Farias.
A expectativa entre os governistas é de o projeto da Câmara tenha validade apenas para crimes imputados a Ramagem depois de sua diplomação. As demais acusações contra o parlamentar e aos demais réus deverão prosseguir normalmente. Ou seja, a ação penal não será travada dentro do Supremo Tribunal Federal.
Além de Ramagem e Bolsonaro, veja abaixo os demais réus que podem ser beneficiados:
- Almir Garnier, ex-comandante da Marinha
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Apesar de ter usado o caso envolvendo Ramagem para fazer um aceno à oposição, aliados de Motta sinalizam que o presidente da Câmara não deve travar um embate com o STF diante de uma possível limitação do projeto aprovado pelos deputados. A avaliação dessa ala é de que o deputado cumpriu seu acordo com o PL em colocar o tema para ser aprovado no plenário.
Motta tem evitado embates diretos com o Supremo desde que assumiu o comando da Câmara, em fevereiro deste ano. Além de segurar o projeto da anistia, Motta tem feito diversos acenos também ao Judiciário ao longo dos últimos meses, como por exemplo ao acelerar a votação de projetos que ampliam cargos no STF.
A estratégia tem como pano de fundo, por exemplo, a tentativa de Motta de que a Corte também não declare a inconstitucionalidade de um projeto que amplia de 513 para 531 o número de deputados. O texto foi aprovado nesta semana e agora segue para análise do Senado.
A Constituição estabelece que o número de deputados federais deve ser proporcional à população, respeitando o limite mínimo de 8 e o máximo de 70 por unidade da federação. O cálculo é feito com base nos dados do Censo Demográfico do IBGE.
A necessidade de rever a distribuição de cadeiras surgiu após decisão, em agosto de 2023, do Supremo Tribunal Federal (STF) ao acatar uma ação do governo do Pará que apontou omissão do Legislativo em atualizar o número de deputados de acordo com a mudança populacional, como previsto na Constituição. A Corte deu prazo até 30 de junho para o Congresso aprovar a redistribuição de vagas de acordo com o Censo de 2022, sob pena de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) realizá-la.
Caso fossem acatados os dados do Censo de 2022, estados como a Paraíba, do próprio Motta, Rio de Janeiro, Bahia e Rio Grande do Sul, por exemplo, perderiam cadeiras a partir da próxima legislatura. Para contornar a regra, o presidente da Câmara passou a costurar um projeto que amplia o número de vagas dentro da Casa.
Por isso, a expectativa entre os líderes do Centrão é de que justamente o presidente da Câmara não trave um embate com o STF no caso Ramagem.
O projeto sobre a ampliação do número de deputados foi criticado por alguns integrantes do plenário e, segundo Kim Kataguiri (União-SP), o texto “faz uma acomodação de interesses, para ninguém perder e todo mundo continuar vivendo na mediocridade”.
“O que esta Casa está aprovando é um texto inconstitucional, é um texto que muito provavelmente vai ser derrubado amanhã pelo Supremo Tribunal Federal. Depois vai haver gente reclamando de intervenção do Supremo. A gente está aumentando uma distorção que já existe, descumprindo o texto da Constituição, piorando a representação e ainda aumentando o número total de deputados federais”, argumenta Kataguiri.