Entre 2013 e 2023, o número de funcionários temporários dos municípios cresceu 52,5%, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Hoje, 2 em cada 10 servidores públicos nas prefeituras não têm vínculo permanente –o maior patamar em pelo menos dez anos.
A contratação de servidores temporários é prevista na Constituição para casos de excepcional interesse público. Mas, segundo especialistas, o aumento expressivo mostra que essa modalidade tem sido adotada mesmo para funções permanentes, como médico e professor, para equilibrar o aumento da demanda por serviços públicos sem violar a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Temporários tornaram-se a categoria com maior crescimento na administração municipal, acima dos concursados, cujo aumento foi de apenas 4% entre 2013 e 2023. Em 11% das cidades brasileiras, mais da metade dos profissionais não têm vínculo permanente.
É o caso das prefeituras de Fernando de Noronha (PE) e Centro do Guilherme (MA), com, respectivamente, 93% e 90% da força de trabalho composta por servidores temporários.
O fenômeno atinge tanto municípios pequenos quanto os maiores, como é o caso de Montes Claros (MG), cidade com 400 mil habitantes. Lá, 70% dos 13.700 servidores não são permanentes. João Pessoa (PB) é a única capital onde mais da metade dos servidores, ou 51%, são temporários. Os dados são da Pesquisa de Informações Básicas Municipais, do IBGE.
Em nota, a prefeitura de João Pessoa afirma que os servidores temporários serão, aos poucos, substituídos por concursados. No município, 80% dos profissionais sem vínculo permanente estão em saúde e educação. A prefeitura diz ainda que eles têm direitos assegurados, como licença-maternidade e 13º salário.
Segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal, despesas com pessoal nos municípios não podem ultrapassar 60% da receita corrente líquida.
Para Théo Santini, gerente de gestão de dados da FNP (Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos), as cidades enfrentam um aumento na demanda por serviços públicos, cujo custo já não é suprido pelas transferências de estados e do governo federal.
“Com a população envelhecendo, os municípios têm cada vez mais gastos em saúde e assistência, além de mobilidade, principalmente nas cidades médias e grandes. O orçamento se torna mais disputado e o gasto com pessoal fica pressionado, então as prefeituras optam por fazer contratações temporárias.”
O gasto com profissionais temporários equivale a 9,8% das despesas com pessoal nos municípios, segundo levantamento da FNP. Já os concursados são responsáveis por 64,3% desse orçamento.
Temporários podem ter remuneração inferior à dos efetivos por não estarem sujeitos a pisos salariais, além de contarem com menos benefícios, como plano de saúde e auxílio-alimentação.
Eles são contratados por processos seletivos simplificados, que, no geral, incluem apenas avaliação de currículo e entrevista. Por isso, são mais baratos para a prefeitura do que concursos públicos, além de facilitarem a entrada de novos profissionais.
“Ter vínculos temporários é assumir que aquele trabalho só vai durar por um, dois ou três anos, algo raro no serviço público. Temporários estão sendo usados para substituir servidores que exerceriam a função por muito tempo”, afirma Gabriela Lotta, professora de administração pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
Embora tenham cada vez mais as mesmas obrigações que um servidor efetivo, esses profissionais costumam estar sujeitos a contratos precários, segundo especialistas. Em alguns casos, eles não têm direito a 13º salário, licença-maternidade e férias.
A contratação desses profissionais, feita por processo simplificado, é mais sujeita à subjetividade do que um concurso público. Isso pode favorecer a entrada de servidores mais alinhados politicamente à gestão municipal, de acordo com Lotta.
A falta de estabilidade também torna os temporários mais sujeitos a pressões políticas, em práticas de clientelismo. É algo que a professora identificou em entrevistas com servidores de municípios pequenos do Nordeste para uma pesquisa ainda não publicada.
“Profissionais [temporários] da saúde, nas vésperas da eleição, foram pressionados por um prefeito a mudar a fila de espera do SUS. Senão, seriam demitidos. O maior prejudicado dessa história é o cidadão”, diz a professora.
O aumento de servidores em cargos comissionados, que cresceram 36% em dez anos, pode ser outro sintoma do clientelismo. De acordo com Lotta, as prefeituras passaram a contratar esses profissionais também para exercer funções de servidores efetivos. A diferença é que, em alguns casos, eles assumem o cargo sem passar por processo seletivo.
Esse quadro gera uma troca constante de profissionais, o que, segundo especialistas, enfraquece o vínculo com o cidadão e dificulta que os servidores adquiram experiência de trabalho.
“A fixação de um professor na escola, por exemplo, é importante. Se esse professor vai sendo trocado, ainda mais no meio do ano letivo, é ruim para a aprendizagem”, declara Cibele Franzese, professora da Escola de Administração de Empresas da FGV.
Folha Mercado
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Por outro lado, ter servidores temporários facilita a dispensa daqueles que cometam alguma improbidade na função ou tenham desempenho aquém do esperado. Quando isso ocorre, o contrato é terminado e o profissional, no geral, tem direito à rescisão.
No caso dos concursados, a demissão se dá principalmente em casos mais extremos, como quando o servidor comete algum crime. Sem uma regulamentação ampla da avaliação de desempenho, são raros os casos de profissionais estáveis demitidos por baixa produtividade.
De acordo com Franzese, há duas soluções possíveis para lidar com o aumento de temporários. Uma delas é a adoção de contratos CLT por tempo indeterminado, que dão mais direitos trabalhistas e estabelecem alguma longevidade para o profissional.
A cifra de celetistas nas prefeituras caiu 4,4% entre 2013 e 2023. A contratação por esse regime estava suspensa desde 2007, depois de uma decisão liminar do plenário do STF. No fim do ano passado, o tribunal validou o regime CLT para o setor público –o que pode levar a um aumento dessa modalidade.
Outra forma para lidar com os temporários é uma regulamentação nacional, que preveja direitos, obrigações e estabeleça diretrizes para a seleção de profissionais sem vínculo permanente, segundo Franzese.
“Já que é uma realidade, em vez de ignorar, deveríamos pensar em como qualificar o temporário dentro da rede, porque não dá para imaginar que, do dia para noite, esses profissionais vão sumir.”
Entre 2013 e 2023, o número de funcionários temporários dos municípios cresceu 52,5%, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Hoje, 2 em cada 10 servidores públicos nas prefeituras não têm vínculo permanente –o maior patamar em pelo menos dez anos.
A contratação de servidores temporários é prevista na Constituição para casos de excepcional interesse público. Mas, segundo especialistas, o aumento expressivo mostra que essa modalidade tem sido adotada mesmo para funções permanentes, como médico e professor, para equilibrar o aumento da demanda por serviços públicos sem violar a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Temporários tornaram-se a categoria com maior crescimento na administração municipal, acima dos concursados, cujo aumento foi de apenas 4% entre 2013 e 2023. Em 11% das cidades brasileiras, mais da metade dos profissionais não têm vínculo permanente.
É o caso das prefeituras de Fernando de Noronha (PE) e Centro do Guilherme (MA), com, respectivamente, 93% e 90% da força de trabalho composta por servidores temporários.
O fenômeno atinge tanto municípios pequenos quanto os maiores, como é o caso de Montes Claros (MG), cidade com 400 mil habitantes. Lá, 70% dos 13.700 servidores não são permanentes. João Pessoa (PB) é a única capital onde mais da metade dos servidores, ou 51%, são temporários. Os dados são da Pesquisa de Informações Básicas Municipais, do IBGE.
Em nota, a prefeitura de João Pessoa afirma que os servidores temporários serão, aos poucos, substituídos por concursados. No município, 80% dos profissionais sem vínculo permanente estão em saúde e educação. A prefeitura diz ainda que eles têm direitos assegurados, como licença-maternidade e 13º salário.
Segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal, despesas com pessoal nos municípios não podem ultrapassar 60% da receita corrente líquida.
Para Théo Santini, gerente de gestão de dados da FNP (Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos), as cidades enfrentam um aumento na demanda por serviços públicos, cujo custo já não é suprido pelas transferências de estados e do governo federal.
“Com a população envelhecendo, os municípios têm cada vez mais gastos em saúde e assistência, além de mobilidade, principalmente nas cidades médias e grandes. O orçamento se torna mais disputado e o gasto com pessoal fica pressionado, então as prefeituras optam por fazer contratações temporárias.”
O gasto com profissionais temporários equivale a 9,8% das despesas com pessoal nos municípios, segundo levantamento da FNP. Já os concursados são responsáveis por 64,3% desse orçamento.
Temporários podem ter remuneração inferior à dos efetivos por não estarem sujeitos a pisos salariais, além de contarem com menos benefícios, como plano de saúde e auxílio-alimentação.
Eles são contratados por processos seletivos simplificados, que, no geral, incluem apenas avaliação de currículo e entrevista. Por isso, são mais baratos para a prefeitura do que concursos públicos, além de facilitarem a entrada de novos profissionais.
“Ter vínculos temporários é assumir que aquele trabalho só vai durar por um, dois ou três anos, algo raro no serviço público. Temporários estão sendo usados para substituir servidores que exerceriam a função por muito tempo”, afirma Gabriela Lotta, professora de administração pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
Embora tenham cada vez mais as mesmas obrigações que um servidor efetivo, esses profissionais costumam estar sujeitos a contratos precários, segundo especialistas. Em alguns casos, eles não têm direito a 13º salário, licença-maternidade e férias.
A contratação desses profissionais, feita por processo simplificado, é mais sujeita à subjetividade do que um concurso público. Isso pode favorecer a entrada de servidores mais alinhados politicamente à gestão municipal, de acordo com Lotta.
A falta de estabilidade também torna os temporários mais sujeitos a pressões políticas, em práticas de clientelismo. É algo que a professora identificou em entrevistas com servidores de municípios pequenos do Nordeste para uma pesquisa ainda não publicada.
“Profissionais [temporários] da saúde, nas vésperas da eleição, foram pressionados por um prefeito a mudar a fila de espera do SUS. Senão, seriam demitidos. O maior prejudicado dessa história é o cidadão”, diz a professora.
O aumento de servidores em cargos comissionados, que cresceram 36% em dez anos, pode ser outro sintoma do clientelismo. De acordo com Lotta, as prefeituras passaram a contratar esses profissionais também para exercer funções de servidores efetivos. A diferença é que, em alguns casos, eles assumem o cargo sem passar por processo seletivo.
Esse quadro gera uma troca constante de profissionais, o que, segundo especialistas, enfraquece o vínculo com o cidadão e dificulta que os servidores adquiram experiência de trabalho.
“A fixação de um professor na escola, por exemplo, é importante. Se esse professor vai sendo trocado, ainda mais no meio do ano letivo, é ruim para a aprendizagem”, declara Cibele Franzese, professora da Escola de Administração de Empresas da FGV.
Folha Mercado
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Por outro lado, ter servidores temporários facilita a dispensa daqueles que cometam alguma improbidade na função ou tenham desempenho aquém do esperado. Quando isso ocorre, o contrato é terminado e o profissional, no geral, tem direito à rescisão.
No caso dos concursados, a demissão se dá principalmente em casos mais extremos, como quando o servidor comete algum crime. Sem uma regulamentação ampla da avaliação de desempenho, são raros os casos de profissionais estáveis demitidos por baixa produtividade.
De acordo com Franzese, há duas soluções possíveis para lidar com o aumento de temporários. Uma delas é a adoção de contratos CLT por tempo indeterminado, que dão mais direitos trabalhistas e estabelecem alguma longevidade para o profissional.
A cifra de celetistas nas prefeituras caiu 4,4% entre 2013 e 2023. A contratação por esse regime estava suspensa desde 2007, depois de uma decisão liminar do plenário do STF. No fim do ano passado, o tribunal validou o regime CLT para o setor público –o que pode levar a um aumento dessa modalidade.
Outra forma para lidar com os temporários é uma regulamentação nacional, que preveja direitos, obrigações e estabeleça diretrizes para a seleção de profissionais sem vínculo permanente, segundo Franzese.
“Já que é uma realidade, em vez de ignorar, deveríamos pensar em como qualificar o temporário dentro da rede, porque não dá para imaginar que, do dia para noite, esses profissionais vão sumir.”