O que aprendemos com Cabo Verde – 11/10/2024 – Priscilla Bacalhau

A primeira vez que ouvi falar sobre Cabo Verde foi, provavelmente, por meio de Cesária Évora. Em 1999, a cantora cabo-verdiana gravou uma música com Marisa Monte, o que ajudou a tornar a maior representante da morna e da cultura cabo-verdiana mais conhecida no Brasil. Com a música mais famosa falando sobre saudade, é fácil para o brasileiro se identificar com o que canta Cesária.


Pelo nome, pode-se imaginar que Cabo Verde é um país com florestas tropicais. Ledo engano. O clima do país é semiárido, influenciado pelos ventos e poeira do Saara. Em dimensões geográficas e populacionais, Cabo Verde é um primo pequenino, comparado ao Brasil. País insular no oceano Atlântico, tem uma área total equivalente a Sorocaba. Na época colonial portuguesa, o território teve muita importância no comércio de pessoas escravizadas.


Hoje, a população residente nas ilhas não chega a 600 mil pessoas. Curiosamente, estima-se que o dobro dessa população faz parte do que se chama de diáspora cabo-verdiana. São emigrantes em busca de estudos ou oportunidades fora do país.


Compartilhamos com eles a mesma língua oficial, mas esse é apenas um dos fatores que aproximam os dois países. Em visitas ao país, eu aprendi que cabo-verdianos são bastante bairristas, e defendem com afinco que a sua ilha de origem é a mais bonita do país, do continente, quiçá do mundo.


Assim como o povo brasileiro tem uma fama de ser acolhedor, nossos primos africanos sempre afirmam e demonstram sua “morabeza”. Este termo da língua crioula expressa uma mistura de hospitalidade, calor humano, gentileza e alegria de viver. É um conceito cultural enraizado nos cabo-verdianos.


As semelhanças entre as nações se estendem para alguns desafios sociais e econômicos que ainda precisam ser superados. Os dois países ainda têm considerável parcela da população em condição de pobreza em seus territórios. Em Cabo Verde, uma a cada dez pessoas ainda vive em pobreza extrema.

Assim como no Brasil, não é fácil para uma mulher andar sozinha na rua sem sofrer importunação masculina. O machismo está impregnado em muitas das relações, e suas consequências são vistas em diversos aspectos. A violência baseada em gênero ainda afeta pelo menos uma a cada dez mulheres no país, apesar de os números estarem melhorando ao longo dos anos.


Mas os esforços para mudar esta realidade não são escassos. A estratégia de desenvolvimento do país incorpora objetivos transversais de promover igualdade e equidade de gênero, além de ter um plano para erradicar a pobreza extrema ainda nesta década. O caminho é longo, pois envolve não apenas implementar leis, mas mudar mentalidades. Ainda assim, uma transversalidade abrangente na política parece mais desenvolvida do que no Brasil.


Cabo Verde está aberto a aprender com o Brasil e outras nações. Não se deixe enganar pelo seu tamanho reduzido; há muito o que ensinar e aprender com esta nação, inclusive em termos de políticas públicas. A capacidade do país de reconhecer suas particularidades culturais e ao mesmo tempo se abrir ao aprendizado internacional é inspiradora. O arquipélago nos mostra que a troca de experiências e conhecimentos pode ser uma via de mão dupla. Estamos prontos para aprender e contribuir para um futuro mais justo e igualitário?


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