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12 Mar 2025, Wed

Coaches aderem a ação para ‘homens com fome de conquista’ – 29/01/2025 – Cotidiano


Em 2017, o pastor Ricardo Bernardes, 44, liderou dez homens de sua igreja em Balneário Camboriú (SC), a Embaixada, para um desafio TOP na Guatemala. Chamava-se Legendários e foi desenvolvido por um pastor local, Chepe Tupzu, para “restaurar a configuração original do homem”, explica à Folha o brasileiro. Saiu encantado de lá.

Cada homem que passa pelo programa —mulheres são vetadas— ganha um número. Bernardes é o legendário 4.500. O legendário número um, diz, foi Jesus Cristo.

Ele decidiu trazer o projeto para o Brasil em 2018. Mais do que um adjetivo popular pelas bandas balneocamboriuenses para definir algo incrível, TOP é sigla para Track Outdoor de Potencial, uma trilha que dura 72 horas.

Estão convidados a desbravá-la “homens que não se conformam com o que a sociedade tem dito sobre como eles devem se portar” e que desejam “trazer de volta o herói caçador para cada família”, segundo o site do Legendários.

O alto escalão do coaching brasileiro curtiu a ideia. Nos últimos dias, alguns dos nomes mais fortes desse universo compartilharam no Instagram sua experiência numa trilha na Flórida que aconteceu em janeiro, a edição especial TOP Master.

“Ali mortifiquei minha carne e vivifiquei meu espírito”, declarou Pablo Marçal a seus 13 milhões de seguidores, ao lado de uma foto dele sem blusa, espalmado por um colega.

Os “dias na selva” deram a Tiago Brunet a certeza de que “o impossível não existe pra quem quer terminar algo que começou”. Ele posou para os 7,3 milhões de perfis que o acompanham com uma canequinha de metal pendurada no zíper do casaco North Face.

Com 17 milhões de seguidores, Deive Leonardo usava a mesma grife na jornada que o levou “à olaria de Deus”. No “frio intenso”, disse Joel Jota, assistido por 5,6 milhões na rede social, “forjei um novo homem”.

Todos foram saudados com um hispânico “bienvenido a manada” por Putzu, o fundador guatemalteco, autor do best-seller “A Rota do Caçador” (Editora Relevantes), um “guia definitivo para homens com fome de conquista”.

Também passaram pelo projeto, neste ou em anos passados, nomes como os lutadores Lyoto Machida, Mauricio Shogun e Ronaldo Jacaré, Neymar pai e o coach Paulo Vieira. Em 2024, ao avisar que sairia “numa missão” para voltar “como um novo homem”, Thiago Nigro, vulgo Primo Rico, fez uma deferência pública à esposa, Maíra Cardi. “Meu amor fez a minha mala e está me ensinando a usar a minha própria mala.”

Muitas mulheres inscrevem seus maridos no programa que tem por intuito, segundo o pastor Ricardo, “despertar valores para como o legendário deve viver dentro de sua casa, seu casamento, sua igreja, tudo pautado na Bíblia”.

Paga-se cerca de R$ 1.700, de acordo com o líder brasileiro, pela imersão que para quem vê de fora lembra um misto de No Limite, o reality da Globo, treinamento militar, escoteiros e grupo de oração. São longas caminhadas sob chuva e sol, montanhismo, lama e exercícios como passar por baixo das pernas de outros participantes enfileirados como um túnel.

Há também muita pregação. A presença evangélica é forte, embora o quórum extrapole essa fé.

Dorme-se em barracas carregadas pelos legendários numa mochila que pesa em torno de 14 kg. A Bíblia é o único item listado como obrigatório e deve ser transportada “numa embalagem que a impeça de molhar”. Outras recomendações: bastão para caminhada, papel higiênico ou lenço umedecido e saco de dormir. A trupe fica incomunicável no período.

Legendário é aquele “que escreve a legenda ou uma história digna de ser contada”, diz Ricardo. Eis, continua, a narrativa indigna que tanto se veria por aí: homens têm sido omissos e deixado de se posicionar. O que o pastor chama de “castração masculina” impulsiona na sociedade uma ideia de que a mulher “tem que ocupar um lugar que não cabe a ela”.

Seria preciso, nessa visão, voltar à formatação bíblica original: o homem como provedor e a mulher de auxiliadora. Elas até podem trabalhar fora, desde que não descuidem de seu papel como mãe e esposa, diz o líder do Legendários Brasil.

Muitos dos enviados para o desafio, ele continua, “acham que casaram com a própria mãe”. Seriam a geração “leite com pêra”, sem pulso firme para exercer sua masculinidade que ele vê como desejável. “A gente tem restaurado o instinto caçador do homem. Eles têm deixado de ser uma presa.”

Coordenador do grupo em São Paulo, o pastor Alexandro Claudino, 47, diz que “o homem está em dívida com a sociedade”, daí o tanto de divórcios que vemos por aí, deixando um lastro de mulheres e filhos abandonados. Isso, ele argumenta, tem que mudar.

“Somos uma geração em que a grande maioria teve os próprios pais falhando como referência masculina. Então a gente vive aquela dicotomia, né? Tinha um homem muito machista, destruidor, que acabava com as mulheres, a colocava num plano inferior. Nós absolutamente não concordamos com isso. E temos agora homens que correm da responsabilidade. A gente acredita que o homem, sim, nasceu pra proteger a mulher e a casa.”

Opera aqui “esta lógica em que o homem precisa se autoafirmar como o forte, o provedor, o viril, aquele que sempre enfrenta todos os seus medos e os vence sempre”, segundo Ranieri Costa, teólogo e autor de “Teologia Coaching: A Ilusória Ideologia de que Nascemos Só para Vencer” (Fonte editorial, 2024).

O Legendários brota num terreno fértil para movimentos congêneres, como a Machonaria idealizada pelo pastor Anderson Silva —aquele que disse ter pedido a Deus que “arrebentasse a mandíbula” de Lula (PT) e depois lamentou ter bolsonarizado a religião.

“Grupos como esse buscam oferecer uma violenta ilusão de que basta você se sacrificar para subir numa montanha com uma roupa de soldado e pouca comida para conseguir mudar o seu mindset de escassez e fracasso”, diz.

Para Costa, o coaching detectou uma lacuna na teologia da prosperidade que orienta várias igrejas contemporâneas. Ela não teria conseguido “absorver o brio masculino evangélico” e “a partir daí fica mais fácil entender por que todos os principais propagadores dessa teologia coaching decidiram subir a montanha fardados”.

De saldo, a promessa de destravar um potencial da prosperidade “regado a todas as já conhecidas características de um discurso machista”.

Em 2017, o pastor Ricardo Bernardes, 44, liderou dez homens de sua igreja em Balneário Camboriú (SC), a Embaixada, para um desafio TOP na Guatemala. Chamava-se Legendários e foi desenvolvido por um pastor local, Chepe Tupzu, para “restaurar a configuração original do homem”, explica à Folha o brasileiro. Saiu encantado de lá.

Cada homem que passa pelo programa —mulheres são vetadas— ganha um número. Bernardes é o legendário 4.500. O legendário número um, diz, foi Jesus Cristo.

Ele decidiu trazer o projeto para o Brasil em 2018. Mais do que um adjetivo popular pelas bandas balneocamboriuenses para definir algo incrível, TOP é sigla para Track Outdoor de Potencial, uma trilha que dura 72 horas.

Estão convidados a desbravá-la “homens que não se conformam com o que a sociedade tem dito sobre como eles devem se portar” e que desejam “trazer de volta o herói caçador para cada família”, segundo o site do Legendários.

O alto escalão do coaching brasileiro curtiu a ideia. Nos últimos dias, alguns dos nomes mais fortes desse universo compartilharam no Instagram sua experiência numa trilha na Flórida que aconteceu em janeiro, a edição especial TOP Master.

“Ali mortifiquei minha carne e vivifiquei meu espírito”, declarou Pablo Marçal a seus 13 milhões de seguidores, ao lado de uma foto dele sem blusa, espalmado por um colega.

Os “dias na selva” deram a Tiago Brunet a certeza de que “o impossível não existe pra quem quer terminar algo que começou”. Ele posou para os 7,3 milhões de perfis que o acompanham com uma canequinha de metal pendurada no zíper do casaco North Face.

Com 17 milhões de seguidores, Deive Leonardo usava a mesma grife na jornada que o levou “à olaria de Deus”. No “frio intenso”, disse Joel Jota, assistido por 5,6 milhões na rede social, “forjei um novo homem”.

Todos foram saudados com um hispânico “bienvenido a manada” por Putzu, o fundador guatemalteco, autor do best-seller “A Rota do Caçador” (Editora Relevantes), um “guia definitivo para homens com fome de conquista”.

Também passaram pelo projeto, neste ou em anos passados, nomes como os lutadores Lyoto Machida, Mauricio Shogun e Ronaldo Jacaré, Neymar pai e o coach Paulo Vieira. Em 2024, ao avisar que sairia “numa missão” para voltar “como um novo homem”, Thiago Nigro, vulgo Primo Rico, fez uma deferência pública à esposa, Maíra Cardi. “Meu amor fez a minha mala e está me ensinando a usar a minha própria mala.”

Muitas mulheres inscrevem seus maridos no programa que tem por intuito, segundo o pastor Ricardo, “despertar valores para como o legendário deve viver dentro de sua casa, seu casamento, sua igreja, tudo pautado na Bíblia”.

Paga-se cerca de R$ 1.700, de acordo com o líder brasileiro, pela imersão que para quem vê de fora lembra um misto de No Limite, o reality da Globo, treinamento militar, escoteiros e grupo de oração. São longas caminhadas sob chuva e sol, montanhismo, lama e exercícios como passar por baixo das pernas de outros participantes enfileirados como um túnel.

Há também muita pregação. A presença evangélica é forte, embora o quórum extrapole essa fé.

Dorme-se em barracas carregadas pelos legendários numa mochila que pesa em torno de 14 kg. A Bíblia é o único item listado como obrigatório e deve ser transportada “numa embalagem que a impeça de molhar”. Outras recomendações: bastão para caminhada, papel higiênico ou lenço umedecido e saco de dormir. A trupe fica incomunicável no período.

Legendário é aquele “que escreve a legenda ou uma história digna de ser contada”, diz Ricardo. Eis, continua, a narrativa indigna que tanto se veria por aí: homens têm sido omissos e deixado de se posicionar. O que o pastor chama de “castração masculina” impulsiona na sociedade uma ideia de que a mulher “tem que ocupar um lugar que não cabe a ela”.

Seria preciso, nessa visão, voltar à formatação bíblica original: o homem como provedor e a mulher de auxiliadora. Elas até podem trabalhar fora, desde que não descuidem de seu papel como mãe e esposa, diz o líder do Legendários Brasil.

Muitos dos enviados para o desafio, ele continua, “acham que casaram com a própria mãe”. Seriam a geração “leite com pêra”, sem pulso firme para exercer sua masculinidade que ele vê como desejável. “A gente tem restaurado o instinto caçador do homem. Eles têm deixado de ser uma presa.”

Coordenador do grupo em São Paulo, o pastor Alexandro Claudino, 47, diz que “o homem está em dívida com a sociedade”, daí o tanto de divórcios que vemos por aí, deixando um lastro de mulheres e filhos abandonados. Isso, ele argumenta, tem que mudar.

“Somos uma geração em que a grande maioria teve os próprios pais falhando como referência masculina. Então a gente vive aquela dicotomia, né? Tinha um homem muito machista, destruidor, que acabava com as mulheres, a colocava num plano inferior. Nós absolutamente não concordamos com isso. E temos agora homens que correm da responsabilidade. A gente acredita que o homem, sim, nasceu pra proteger a mulher e a casa.”

Opera aqui “esta lógica em que o homem precisa se autoafirmar como o forte, o provedor, o viril, aquele que sempre enfrenta todos os seus medos e os vence sempre”, segundo Ranieri Costa, teólogo e autor de “Teologia Coaching: A Ilusória Ideologia de que Nascemos Só para Vencer” (Fonte editorial, 2024).

O Legendários brota num terreno fértil para movimentos congêneres, como a Machonaria idealizada pelo pastor Anderson Silva —aquele que disse ter pedido a Deus que “arrebentasse a mandíbula” de Lula (PT) e depois lamentou ter bolsonarizado a religião.

“Grupos como esse buscam oferecer uma violenta ilusão de que basta você se sacrificar para subir numa montanha com uma roupa de soldado e pouca comida para conseguir mudar o seu mindset de escassez e fracasso”, diz.

Para Costa, o coaching detectou uma lacuna na teologia da prosperidade que orienta várias igrejas contemporâneas. Ela não teria conseguido “absorver o brio masculino evangélico” e “a partir daí fica mais fácil entender por que todos os principais propagadores dessa teologia coaching decidiram subir a montanha fardados”.

De saldo, a promessa de destravar um potencial da prosperidade “regado a todas as já conhecidas características de um discurso machista”.



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