Filho de Jair Rodrigues e irmão de Luciana Mello, artista recorda episódio de rebeldia em Carnaval da adolescência e declara amor pelo gênero musical Cantor, compositor e produtor musical, Jair Oliveira tem forte afinidade com o universo do samba. Filho de Claudine Mello e do cantor Jair Rodrigues (1939-2014), ele conta que as referências vieram desde a infância. “Costumo brincar com minha irmã que nossos pais sempre colocaram muito samba em nossas mamadeiras. A gente se alimentou do samba desde novinhos e continuamos nos alimentando”, afirma ele, que é irmão da cantora Luciana Mello, com quem fez o álbum O Samba me Cantou (2010)
Perto de completar 50 anos de idade — ele faz aniversário no dia 27 de março –, o cantor soma 44 anos de carreira e conta que o samba permeou boa parte de sua trajetória profissional. “Comecei bem novinho, cantando com meu pai. Depois, fui integrante do Balão Mágico. Na época do Balão, o samba estava presente de maneira diluída para mim. Eu escutava, mas o repertório do Balão Mágico não havia samba. A gente não tinha poder de decisão. Gravávamos os materiais que chegavam para nós”, recorda.
+ Herdeiros do Samba
Dono de uma postura mais introvertida, Jair diz que seu espírito de folião é contido. “Quando era moleque, meus pais nos levaram aos desfiles das escolas de samba em São Paulo e ficamos em um camarote. Meu pai era o homenageado da ocasião e eu, muito adolescente, levei um livro para ficar lendo. Meu pai até falou: ‘Mas não é possível que você vai ficar com a cara enfiada no livro?!’ (imita a voz e a entonação de Jair Rodrigues). Apesar de querer mostrar uma rebeldia, o samba me chamava atenção mais do que qualquer outra coisa na Avenida. Depois daquela vez, voltei várias outras vezes para acompanhar desfiles no Rio e em São Paulo. Afinal, é um universo encantador.”
Morando nos Estados Unidos desde 2017 com a esposa, a atriz Tania Khalill, e as filhas, Isabella, 16 anos, e Laura, 13, Jair conta que levou as meninas para uma roda de samba na Flórida, onde moram. “Elas se amarraram! Não só elas, como os amigos também. Fiquei feliz da vida. O samba é da nossa cultura. O samba é social e só o brasileiro consegue fazer”, afirma o cantor.
Quem: Você cresceu rodeado de influências musicais. Como o samba entrou na sua vida?
Jair Oliveira: O samba sempre esteve presente na minha vida, inclusive pela participação o meu pai no universo do samba. Desde o início da carreira, ou melhor, desde quando ele começou a se interessar por música — ainda muito jovenzinho –, meu pai sempre teve uma ligação muito especial com o pessoal do samba, do chorinhos, das serestas. O grande ídolo de meu pai sempre foi Agostinho dos Santos, mas ele também cresceu ouvindo Pixinguinha, Noel Rosa, Cartola… Esse pessoal incrível da cultura brasileira. Só feras.
Jair Oliveira
Nathalia Shumacher
Ou seja, fazia parte do repertório da sua casa.
Ele acabou passando isso para gente, para mim e para minha irmã. A paixão que nossos pais tinham pelo samba foi passada para nós desde o ventre. Minha mãe, grávida, acabava ouvindo música o dia inteiro — ou as músicas do meu pai, ou as músicas que ele ouvia. Samba, seresta, chorinho… Cresci nesse ambiente. Mesmo quando ainda não sabia o significado disso, sempre tive uma aproximação muito grande com o samba e a cultura brasileira. É uma herança africana para a música brasileira. Costumo brincar com minha irmã que Jairzão e Dona Claudine, nossos pais, colocaram muito samba em nossas mamadeiras. A gente se alimentou do samba desde novinhos e continuamos nos alimentando.
Ao longo da sua carreira, você não ficou marcado por um único estilo. Como você faz questão de ter o samba em sua trajetória artística?
O samba sempre esteve muito presente na minha carreira como compositor. Minha carreira é extensa. Completo 50 anos de idade em 2025 e já tenho 44 anos de carreira (risos). Comecei muito cedo.
“A paixão que nossos pais tinham pelo samba foi passada para nós desde o ventre”
E muita gente tem recordações de você ainda menino!
Comecei bem novinho, cantando com meu pai. Depois, fui integrante do Balão Mágico, durante boa parte da vida do grupo. Na época do Balão, o samba estava presente de maneira diluída para mim. Eu escutava, mas o repertório do Balão Mágico não havia samba. A gente não tinha poder de decisão. Gravávamos os materiais que chegavam para nós. Era um projeto infantil e não tinha o foco no samba. É claro que o samba pode estar presente para as crianças, mas o foco do Balão não era o samba.
Jair Oliveira
Nathalia Shumacher
E quando você e o samba se reencontraram profissionalmente?
Já na adolescência. Quando fiquei mais jovem, comecei a descobrir meus processos criativos dentro da música e da minha carreira como compositor. Aí, sim, o samba ficou muito presente. Em todos os meus discos, existe uma influência grande de samba e bossa nova, além do jazz, da soul music… Fui fazendo essas misturas. Essa característica de misturar também é da minha geração de autores e produtores. Minha irmã também também sempre foi dessa mistura e, nos últimos anos, focou no samba. Eu faço muitas dessas misturas e trago muito do legado que meu pai me apresentou do samba.
Percebo que o carinho com que você fala sobre o Jair Rodrigues vai além da relação de pai e filho. É um reconhecimento também por toda a trajetória dele na música também, não é?
Tenho muito orgulho da carreira do meu pai. Ao longo de sua trajetória, ele acabou ajudando a lançar vários nomes importantíssimos do samba. Ele teve uma importância muito grande para a carreira da Alcione, do Martinho da Vila, do Wando… Meu pai foi o primeiro cantor a gravar Martinho da Vila. Já o Wando, quando surgiu na cena artística, apareceu compondo muitos sambas, como O Importante é ser Fevereiro. Meu pai também ajudou bastante no começo da carreira da Clara Nunes. Ele sempre esteve muito envolvido no universo do samba.
“Tenho muito orgulho da carreira do meu pai. Ao longo de sua trajetória, ele acabou ajudando a lançar vários nomes importantíssimos do samba”
Jair Oliveira em momentos com o pai, Jair Rodrigues, e a irmã, Luciana Mello
Arquivo pessoal
No documentário Jair Rodrigues: Deixa Que Digam (2020), é abordado o fato de ele ser um sambista paulista numa época em que o Rio de Janeiro era enaltecido como o berço do samba.
Por ser um cara nascido no estado de São Paulo, ele acabou se tornando um dos principais sambistas de São Paulo. Na época, o samba vinha muito do Rio de Janeiro. Ele era um cara de São Paulo e passeava não apenas pelo samba paulistano, compunha muito para a cena carioca. Afinal, ele também estava muito pelo Rio e buscava elementos de lá. Ele gravava nas comunidades cariocas. Tenho muito orgulho dessa herança que eu carrego no samba.
Como é essa herança?
Componho muitos sambas. Mesmo quando componho para outros estilos, eu percebo a influência que o samba tem na minha maneira de compor. Mesmo que sejam baladas ou canções com mais influência na música pop, o samba está presente de alguma forma.
E como é sua ligação com o Carnaval?
Eu e minha irmã temos uma diferença muito grande no Carnaval. Assim como meu pai, minha irmã é expansiva, gosta muito desse universo do Carnaval, da festa… Eu também gosto, acho incrível e muito bonito, mas meu temperamento mais contido, mais pra dentro. Para exemplificar meu lance com o Carnaval: quando eu era moleque, meus pais nos levaram aos desfiles das escolas de samba em São Paulo e ficamos em um camarote. Meu pai era o homenageado da ocasião e eu, muito adolescente, levei um livro para ficar lendo.
Jair Oliveira
Nathalia Shumacher
Nossa! E quantos anos você tinha?
Devia ter uns 14 anos. Bem adolescente, né? Aquela coisa de rebeldia. Isso me marcou. Depois, com mais idade, passei a apreciar mais, curtir de maneira mais intensa. Naquela ocasião, levei um livro (risos). Meu pai até falou: ‘Mas não é possível que você vai ficar com a cara enfiada no livro?!’ (imita a voz e a entonação de Jair Rodrigues). Apesar de querer mostrar uma rebeldia, o samba me chamava atenção mais do que qualquer outra coisa na Avenida. Depois daquela vez, voltei várias outras vezes para acompanhar desfiles no Rio e em São Paulo. Afinal, é um universo encantador. Você se envolve com todo o processo. Não apenas com o desfile, mas toda a formação nas comunidades desse grande espetáculo. Minha irmã, durante vários anos seguidos, foi ao Carnaval de Salvador. Cheguei a acompanhá-la em alguns. É um grande espetáculo.
“Não sou um grande folião in loco, mas adoro o universo das escolas de sambas”
E atualmente?
Não sou um grande folião in loco, daquele que sai de casa para todos os blocos, mas adoro o universo, principalmente o das escolas de sambas. É incrível saber como as comunidades, muitas vezes atravessando durezas, montam grandiosos espetáculos. A época do Carnaval é de extravasar e acho isso maravilhoso. Mesmo eu, que tenho esse temperamento mais recatado, acho encantador assistir. Sempre falo para as minhas filhas e colegas: ‘Vale muito a pena assistir, ir para a Avenida, ou ir para o Carnaval de Salvador, de Pernambuco…’. Acho que as pessoas deveriam experimentar nossas diversas formas de Carnaval. Vejo que o Carnaval de rua, em São Paulo, tem crescido. Um dos meus meus grandes irmãos musicais e meu sócio é o Simoninha e ele comanda o Baixo Augusta. Ele fez parte dos idealizadores do Baixo Augusta e viu aquele bloco crescer. Saía pouca gente e, agora, mais de 500 mil pessoas. Se tornou um símbolo do Carnaval de São Paulo. Tenho uma ligação muito próxima com o pessoal do Baixo Augusta.
Jair Oliveira
Nathalia Shumacher
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E quem são suas referências?
Muito do que gosto de escutar veio pela influência do meu pai. Ele ficava cantarolando e assobiando pela casa, músicas de Cartola, Noel Rosa… Outras duas das minhas referências são Djavan e João Bosco. Sei que muito do repertório do Djavan vai mais para o pop, mas o primeiro disco dele é só de samba. E foi o disco que me despertou interesse pela obra dele e me tornei fã de carteirinha. João Bosco também tem sambas incríveis. Tenho uma tríade: Djavan, João Bosco e Tom Jobim. O Tom Jobim teve uma grande influência na transformação do samba. No samba paulistano, temos ainda o Adoniran Barbosa, tão característico da cultura de São Paulo.
Das novas gerações, alguém chama a sua atenção?
Corro o risco de citar alguém que talvez nem seja tão novo assim (risos). O samba sempre tem uma evolução temporal, não que isso seja pior ou melhor que as anteriores. O pagode romântico que veio na década de 1990 transformou a percepção do público em relação ao samba. Das novas gerações, muitos têm olhado para o chorinho. Estão criando rodas de samba, seja em São Paulo, no Rio… A galera se reúne em volta de uma mesa e começa a cantar — sejam sambas clássicos, sejam músicas recentes. Acho isso fantástico. Isso não pode se perder. Mais do que um estilo musical, samba é um estilo de vida. É aquele lance de reunir as pessoas. Há uma função social. É importante que isso não se perca. O samba permite que você se junte com outras pessoas, que você curta com amigos e que não fique apenas ouvindo no celular. Isso é uma das coisas mais bonitas. Quando a juventude tem a possibilidade de ir a uma roda de samba é uma experiência transformadora.
Jair Oliveira
Nathalia Shumacher
Suas filhas são adolescentes. Gosta de apresentá-las a ritmos musicais?
Já levei minhas filhas a rodas de samba que eu participei e estava com uma expectativa baixa, não tinha certeza se elas iriam curtir.
E curtiram?
Elas se amarraram! Não só elas, como os amigos também. Fiquei feliz da vida. O samba é da nossa cultura. O samba é social e só o brasileiro consegue fazer.
“Já levei minhas filhas a rodas de samba e elas se amarraram! O samba é da nossa cultura”
Morando nos Estados Unidos desde 2017, como você percebe a recepção do samba por aí?
O samba chegou a ter uma exposição maior. Infelizmente, o Brasil perdeu a oportunidade de investir em mercados internacionais. Acredito que a Europa e o Japão ainda tenham uma ligação maior com o samba. A música brasileira continua sendo respeitada. Os Estados Unidos são um país interessante nessa questão cultural. Por exemplo, o jazz não é mainstream, não é o que toca nas rádios, mas há um mercado gigantesco. Os artistas de jazz sobrevivem aqui — e sobrevivem muito bem. Dentro desse público do jazz, há muita gente que aprecia o samba. Existe um mercado e interesse grande. A comunidade brasileira nos Estados Unidos não para de crescer. Boston, Nova York, Miami, Los Angeles e Texas são alguns dos locais com grandes comunidades brasileiras e aí existe uma demanda para aproximação com a cultura brasileira.
Jair Oliveira
Nathalia Shumacher
E existem oportunidades de apresentações voltadas a este público?
Já participei de rodas de samba para o público brasileiro. Quando você vai a uma roda de samba por aqui, você observa várias pessoas chorando — de emoção, de saudade. Há pessoas que estão aqui e não estão em uma condição de voltar ao Brasil. Ao participar de uma roda de samba, elas acabam revivendo o país. É muito interessante perceber como o samba mexe também com o lado emocional do brasileiro. O samba não é mainstream por aqui, afinal a língua também acaba sendo uma barreira. Há um interesse pela música e pelo cinema brasileiro, mas a língua nem sempre é assimilada.
Algo planejado para o Carnaval 2025?
Minhas filhas estarão em período letivo na escola. Por isso, não planejamos sair daqui. Mas faço aniversário no dia 17 de março, mesmo dia da Elis Regina, e planejamos realizar uma viagem em família por aqui. Meio século tem que ser celebrado, né?
Jair Oliveira
Nathalia Shumacher
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Filho de Jair Rodrigues e irmão de Luciana Mello, artista recorda episódio de rebeldia em Carnaval da adolescência e declara amor pelo gênero musical Cantor, compositor e produtor musical, Jair Oliveira tem forte afinidade com o universo do samba. Filho de Claudine Mello e do cantor Jair Rodrigues (1939-2014), ele conta que as referências vieram desde a infância. “Costumo brincar com minha irmã que nossos pais sempre colocaram muito samba em nossas mamadeiras. A gente se alimentou do samba desde novinhos e continuamos nos alimentando”, afirma ele, que é irmão da cantora Luciana Mello, com quem fez o álbum O Samba me Cantou (2010)
Perto de completar 50 anos de idade — ele faz aniversário no dia 27 de março –, o cantor soma 44 anos de carreira e conta que o samba permeou boa parte de sua trajetória profissional. “Comecei bem novinho, cantando com meu pai. Depois, fui integrante do Balão Mágico. Na época do Balão, o samba estava presente de maneira diluída para mim. Eu escutava, mas o repertório do Balão Mágico não havia samba. A gente não tinha poder de decisão. Gravávamos os materiais que chegavam para nós”, recorda.
+ Herdeiros do Samba
Dono de uma postura mais introvertida, Jair diz que seu espírito de folião é contido. “Quando era moleque, meus pais nos levaram aos desfiles das escolas de samba em São Paulo e ficamos em um camarote. Meu pai era o homenageado da ocasião e eu, muito adolescente, levei um livro para ficar lendo. Meu pai até falou: ‘Mas não é possível que você vai ficar com a cara enfiada no livro?!’ (imita a voz e a entonação de Jair Rodrigues). Apesar de querer mostrar uma rebeldia, o samba me chamava atenção mais do que qualquer outra coisa na Avenida. Depois daquela vez, voltei várias outras vezes para acompanhar desfiles no Rio e em São Paulo. Afinal, é um universo encantador.”
Morando nos Estados Unidos desde 2017 com a esposa, a atriz Tania Khalill, e as filhas, Isabella, 16 anos, e Laura, 13, Jair conta que levou as meninas para uma roda de samba na Flórida, onde moram. “Elas se amarraram! Não só elas, como os amigos também. Fiquei feliz da vida. O samba é da nossa cultura. O samba é social e só o brasileiro consegue fazer”, afirma o cantor.
Quem: Você cresceu rodeado de influências musicais. Como o samba entrou na sua vida?
Jair Oliveira: O samba sempre esteve presente na minha vida, inclusive pela participação o meu pai no universo do samba. Desde o início da carreira, ou melhor, desde quando ele começou a se interessar por música — ainda muito jovenzinho –, meu pai sempre teve uma ligação muito especial com o pessoal do samba, do chorinhos, das serestas. O grande ídolo de meu pai sempre foi Agostinho dos Santos, mas ele também cresceu ouvindo Pixinguinha, Noel Rosa, Cartola… Esse pessoal incrível da cultura brasileira. Só feras.
Jair Oliveira
Nathalia Shumacher
Ou seja, fazia parte do repertório da sua casa.
Ele acabou passando isso para gente, para mim e para minha irmã. A paixão que nossos pais tinham pelo samba foi passada para nós desde o ventre. Minha mãe, grávida, acabava ouvindo música o dia inteiro — ou as músicas do meu pai, ou as músicas que ele ouvia. Samba, seresta, chorinho… Cresci nesse ambiente. Mesmo quando ainda não sabia o significado disso, sempre tive uma aproximação muito grande com o samba e a cultura brasileira. É uma herança africana para a música brasileira. Costumo brincar com minha irmã que Jairzão e Dona Claudine, nossos pais, colocaram muito samba em nossas mamadeiras. A gente se alimentou do samba desde novinhos e continuamos nos alimentando.
Ao longo da sua carreira, você não ficou marcado por um único estilo. Como você faz questão de ter o samba em sua trajetória artística?
O samba sempre esteve muito presente na minha carreira como compositor. Minha carreira é extensa. Completo 50 anos de idade em 2025 e já tenho 44 anos de carreira (risos). Comecei muito cedo.
“A paixão que nossos pais tinham pelo samba foi passada para nós desde o ventre”
E muita gente tem recordações de você ainda menino!
Comecei bem novinho, cantando com meu pai. Depois, fui integrante do Balão Mágico, durante boa parte da vida do grupo. Na época do Balão, o samba estava presente de maneira diluída para mim. Eu escutava, mas o repertório do Balão Mágico não havia samba. A gente não tinha poder de decisão. Gravávamos os materiais que chegavam para nós. Era um projeto infantil e não tinha o foco no samba. É claro que o samba pode estar presente para as crianças, mas o foco do Balão não era o samba.
Jair Oliveira
Nathalia Shumacher
E quando você e o samba se reencontraram profissionalmente?
Já na adolescência. Quando fiquei mais jovem, comecei a descobrir meus processos criativos dentro da música e da minha carreira como compositor. Aí, sim, o samba ficou muito presente. Em todos os meus discos, existe uma influência grande de samba e bossa nova, além do jazz, da soul music… Fui fazendo essas misturas. Essa característica de misturar também é da minha geração de autores e produtores. Minha irmã também também sempre foi dessa mistura e, nos últimos anos, focou no samba. Eu faço muitas dessas misturas e trago muito do legado que meu pai me apresentou do samba.
Percebo que o carinho com que você fala sobre o Jair Rodrigues vai além da relação de pai e filho. É um reconhecimento também por toda a trajetória dele na música também, não é?
Tenho muito orgulho da carreira do meu pai. Ao longo de sua trajetória, ele acabou ajudando a lançar vários nomes importantíssimos do samba. Ele teve uma importância muito grande para a carreira da Alcione, do Martinho da Vila, do Wando… Meu pai foi o primeiro cantor a gravar Martinho da Vila. Já o Wando, quando surgiu na cena artística, apareceu compondo muitos sambas, como O Importante é ser Fevereiro. Meu pai também ajudou bastante no começo da carreira da Clara Nunes. Ele sempre esteve muito envolvido no universo do samba.
“Tenho muito orgulho da carreira do meu pai. Ao longo de sua trajetória, ele acabou ajudando a lançar vários nomes importantíssimos do samba”
Jair Oliveira em momentos com o pai, Jair Rodrigues, e a irmã, Luciana Mello
Arquivo pessoal
No documentário Jair Rodrigues: Deixa Que Digam (2020), é abordado o fato de ele ser um sambista paulista numa época em que o Rio de Janeiro era enaltecido como o berço do samba.
Por ser um cara nascido no estado de São Paulo, ele acabou se tornando um dos principais sambistas de São Paulo. Na época, o samba vinha muito do Rio de Janeiro. Ele era um cara de São Paulo e passeava não apenas pelo samba paulistano, compunha muito para a cena carioca. Afinal, ele também estava muito pelo Rio e buscava elementos de lá. Ele gravava nas comunidades cariocas. Tenho muito orgulho dessa herança que eu carrego no samba.
Como é essa herança?
Componho muitos sambas. Mesmo quando componho para outros estilos, eu percebo a influência que o samba tem na minha maneira de compor. Mesmo que sejam baladas ou canções com mais influência na música pop, o samba está presente de alguma forma.
E como é sua ligação com o Carnaval?
Eu e minha irmã temos uma diferença muito grande no Carnaval. Assim como meu pai, minha irmã é expansiva, gosta muito desse universo do Carnaval, da festa… Eu também gosto, acho incrível e muito bonito, mas meu temperamento mais contido, mais pra dentro. Para exemplificar meu lance com o Carnaval: quando eu era moleque, meus pais nos levaram aos desfiles das escolas de samba em São Paulo e ficamos em um camarote. Meu pai era o homenageado da ocasião e eu, muito adolescente, levei um livro para ficar lendo.
Jair Oliveira
Nathalia Shumacher
Nossa! E quantos anos você tinha?
Devia ter uns 14 anos. Bem adolescente, né? Aquela coisa de rebeldia. Isso me marcou. Depois, com mais idade, passei a apreciar mais, curtir de maneira mais intensa. Naquela ocasião, levei um livro (risos). Meu pai até falou: ‘Mas não é possível que você vai ficar com a cara enfiada no livro?!’ (imita a voz e a entonação de Jair Rodrigues). Apesar de querer mostrar uma rebeldia, o samba me chamava atenção mais do que qualquer outra coisa na Avenida. Depois daquela vez, voltei várias outras vezes para acompanhar desfiles no Rio e em São Paulo. Afinal, é um universo encantador. Você se envolve com todo o processo. Não apenas com o desfile, mas toda a formação nas comunidades desse grande espetáculo. Minha irmã, durante vários anos seguidos, foi ao Carnaval de Salvador. Cheguei a acompanhá-la em alguns. É um grande espetáculo.
“Não sou um grande folião in loco, mas adoro o universo das escolas de sambas”
E atualmente?
Não sou um grande folião in loco, daquele que sai de casa para todos os blocos, mas adoro o universo, principalmente o das escolas de sambas. É incrível saber como as comunidades, muitas vezes atravessando durezas, montam grandiosos espetáculos. A época do Carnaval é de extravasar e acho isso maravilhoso. Mesmo eu, que tenho esse temperamento mais recatado, acho encantador assistir. Sempre falo para as minhas filhas e colegas: ‘Vale muito a pena assistir, ir para a Avenida, ou ir para o Carnaval de Salvador, de Pernambuco…’. Acho que as pessoas deveriam experimentar nossas diversas formas de Carnaval. Vejo que o Carnaval de rua, em São Paulo, tem crescido. Um dos meus meus grandes irmãos musicais e meu sócio é o Simoninha e ele comanda o Baixo Augusta. Ele fez parte dos idealizadores do Baixo Augusta e viu aquele bloco crescer. Saía pouca gente e, agora, mais de 500 mil pessoas. Se tornou um símbolo do Carnaval de São Paulo. Tenho uma ligação muito próxima com o pessoal do Baixo Augusta.
Jair Oliveira
Nathalia Shumacher
Initial plugin text
E quem são suas referências?
Muito do que gosto de escutar veio pela influência do meu pai. Ele ficava cantarolando e assobiando pela casa, músicas de Cartola, Noel Rosa… Outras duas das minhas referências são Djavan e João Bosco. Sei que muito do repertório do Djavan vai mais para o pop, mas o primeiro disco dele é só de samba. E foi o disco que me despertou interesse pela obra dele e me tornei fã de carteirinha. João Bosco também tem sambas incríveis. Tenho uma tríade: Djavan, João Bosco e Tom Jobim. O Tom Jobim teve uma grande influência na transformação do samba. No samba paulistano, temos ainda o Adoniran Barbosa, tão característico da cultura de São Paulo.
Das novas gerações, alguém chama a sua atenção?
Corro o risco de citar alguém que talvez nem seja tão novo assim (risos). O samba sempre tem uma evolução temporal, não que isso seja pior ou melhor que as anteriores. O pagode romântico que veio na década de 1990 transformou a percepção do público em relação ao samba. Das novas gerações, muitos têm olhado para o chorinho. Estão criando rodas de samba, seja em São Paulo, no Rio… A galera se reúne em volta de uma mesa e começa a cantar — sejam sambas clássicos, sejam músicas recentes. Acho isso fantástico. Isso não pode se perder. Mais do que um estilo musical, samba é um estilo de vida. É aquele lance de reunir as pessoas. Há uma função social. É importante que isso não se perca. O samba permite que você se junte com outras pessoas, que você curta com amigos e que não fique apenas ouvindo no celular. Isso é uma das coisas mais bonitas. Quando a juventude tem a possibilidade de ir a uma roda de samba é uma experiência transformadora.
Jair Oliveira
Nathalia Shumacher
Suas filhas são adolescentes. Gosta de apresentá-las a ritmos musicais?
Já levei minhas filhas a rodas de samba que eu participei e estava com uma expectativa baixa, não tinha certeza se elas iriam curtir.
E curtiram?
Elas se amarraram! Não só elas, como os amigos também. Fiquei feliz da vida. O samba é da nossa cultura. O samba é social e só o brasileiro consegue fazer.
“Já levei minhas filhas a rodas de samba e elas se amarraram! O samba é da nossa cultura”
Morando nos Estados Unidos desde 2017, como você percebe a recepção do samba por aí?
O samba chegou a ter uma exposição maior. Infelizmente, o Brasil perdeu a oportunidade de investir em mercados internacionais. Acredito que a Europa e o Japão ainda tenham uma ligação maior com o samba. A música brasileira continua sendo respeitada. Os Estados Unidos são um país interessante nessa questão cultural. Por exemplo, o jazz não é mainstream, não é o que toca nas rádios, mas há um mercado gigantesco. Os artistas de jazz sobrevivem aqui — e sobrevivem muito bem. Dentro desse público do jazz, há muita gente que aprecia o samba. Existe um mercado e interesse grande. A comunidade brasileira nos Estados Unidos não para de crescer. Boston, Nova York, Miami, Los Angeles e Texas são alguns dos locais com grandes comunidades brasileiras e aí existe uma demanda para aproximação com a cultura brasileira.
Jair Oliveira
Nathalia Shumacher
E existem oportunidades de apresentações voltadas a este público?
Já participei de rodas de samba para o público brasileiro. Quando você vai a uma roda de samba por aqui, você observa várias pessoas chorando — de emoção, de saudade. Há pessoas que estão aqui e não estão em uma condição de voltar ao Brasil. Ao participar de uma roda de samba, elas acabam revivendo o país. É muito interessante perceber como o samba mexe também com o lado emocional do brasileiro. O samba não é mainstream por aqui, afinal a língua também acaba sendo uma barreira. Há um interesse pela música e pelo cinema brasileiro, mas a língua nem sempre é assimilada.
Algo planejado para o Carnaval 2025?
Minhas filhas estarão em período letivo na escola. Por isso, não planejamos sair daqui. Mas faço aniversário no dia 17 de março, mesmo dia da Elis Regina, e planejamos realizar uma viagem em família por aqui. Meio século tem que ser celebrado, né?
Jair Oliveira
Nathalia Shumacher
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