O que podemos aprender sobre solidão com os animais – 16/02/2025 – Ciência
A toupeira-cega-da-palestina é a definição de um ser introvertido. Ela mora no subsolo, em uma profundidade de cerca de 30 cm, e cava sistemas de túneis onde fica durante a maior parte da vida, comendo raízes, tubérculos e bulbos. Cada toupeira-cega tem seu próprio território: se uma delas acidentalmente cavar o túnel de outra, elas mostrarão os dentes ou morderão umas às outras em batalhas violentas, muitas vezes mortais.
As toupeiras-cegas geralmente só interagem com outros animais de sua espécie durante a temporada de acasalamento, mas mesmo assim, devem proceder com cautela.
O macho cava o solo em direção a uma fêmea, mas faz uma pausa antes de entrar em seu túnel. Por vários dias, eles enviam sinais vibracionais um ao outro tamborilando no teto do túnel com suas cabeças.
Somente quando a fêmea expressa interesse em se encontrar, o macho avança, acasala com ela e vai embora. Após fechar o túnel atrás dele, ele continua seu modo de vida recluso.
Estilos de vida solitários como esse são muito comuns no reino animal. Mesmo entre os mamíferos – um grupo geralmente sociável – 22% das espécies estudadas são amplamente solitárias, o que significa que machos e fêmeas dormem e buscam comida sozinhos na maior parte do tempo.
Mas animais solitários recebem relativamente pouca atenção dos cientistas.
Talvez porque nós humanos somos criaturas sociais, tenhamos sido mais atraídos para estudar criaturas que vivem em grupos – quer seja para proteção ou para encontrar comida, procriar e criar filhotes.
Por muito tempo, muitos cientistas tenderam a ignorar a vida solitária, considerando-a um estado de existência mais primitivo e básico, associado a comportamento antissocial e inteligência fraca.
Mas os pesquisadores agora estão começando a reconhecer que alguns animais evoluíram para serem solitários porque isso tem benefícios: evitar a competição e as condições estressantes da vida em grupo.
Para começar, muitos animais solitários são de fato altamente inteligentes e vivem vidas sociais diversas e complexas, apesar de sua solidão.
Embora as toupeiras-cegas sejam uma exceção, muitos animais solitários toleram, aprendem e ocasionalmente até cooperam com outros de sua espécie, permitindo-lhes desfrutar do melhor dos dois mundos.
As vantagens no mundo animal
Viver em grupos certamente tem muitos benefícios. As zebras encontram segurança em rebanhos e leões frequentemente caçam juntos para atacar presas maiores e mais rápidas do que eles. Alguns pássaros colaboram para criar filhotes; chimpanzés se socializam limpando parasitas uns dos outros.
Mas também existem desvantagens.
Em um grupo, “todo abrigo tem que ser compartilhado, cada pedaço de comida tem que ser compartilhado, todo acesso a um parceiro tem que ser compartilhado”, diz David Scheel, um ecologista comportamental da Universidade Alaska Pacific, nos EUA.
E embora caçar juntos e compartilhar comida faça sentido para animais como leões, que geralmente estão cercados por presas grandes e abundantes que podem alimentar vários indivíduos, isso é menos benéfico em situações em que a presa é menor e menos compartilhável. Também não é tão útil quando a presa vive espalhada pela paisagem, quando é preciso mais esforço para encontrá-la.
É provavelmente por isso que tatus e tamanduás buscam sozinhos por insetos.
Também é provável que seja por isso que tigres – que vagam por toda parte para encontrar presas relativamente escassas – caçam sozinhos, o que os ajuda a se aproximarem furtivamente de suas presas com mais facilidade.
Para reduzir ainda mais a competição, tigres e alguns outros caçadores solitários formam pequenos territórios que defendem de outros predadores.
Para a toupera-cega, a solidão significa não precisar competir constantemente por espaço em túneis, que são muito trabalhosos de cavar.
Animais solitários também podem enfrentar menos competição por parceiros e um risco reduzido de contrair doenças e parasitas.
Além disso, as fêmeas podem investir toda a sua energia em cuidar de seus próprios filhotes, sem ter que cuidar dos filhotes de seus vizinhos, como algumas espécies mais sociais fazem.
Para outros animais, como as preguiças, sua camuflagem pode funcionar apenas se não estiverem em grandes grupos.
“Animais solitários são menos chamativos”, diz Lindelani Mayuka, zoólogo da Universidade de Witwatersrand em Joanesburgo, na África do Sul.
Viver sozinho gera desafios – como perder o benefício de se amontoar para se manter aquecido.
Mas alguns animais, como o rato-karoo, do sul da África, contornam isso construindo grandes cabanas de gravetos para se protegerem de oscilações de temperatura e também de predadores, diz Mayuka.
Para animais altamente sociais, ficar sozinho pode ser estressante – muitas vezes levando a problemas de saúde e ansiedade. Mas animais solitários não tem esse problema.
As toupeiras-cegas, por exemplo, ficam estressadas e ansiosas quando são colocadas próximas umas das outras, mesmo que haja uma barreira entre elas. E indivíduos menores e mais submissos sofrem mais.
“Elas podem até morrer devido ao estresse”, diz Tali Kimchi, uma neurocientista comportamental do Instituto Weizmann, em Israel, que estuda as toupeiras-cegas em seu laboratório.
Como todos os mamíferos, toupeiras-cegas-da-palestina cuidam de seus filhotes, mas as mães eventualmente se tornam hostis, forçando seus filhotes a cavar seus próprios túneis longe do da mãe.
“Parece engraçado, mas essa é a forma de sobrevivência dessas criaturas”, diz ela.
Tolerar os vizinhos
Nem todas as espécies solitárias se repelem ativamente.
Muitas delas são atraídas por recursos compartilhados e têm vidas sociais surpreendentemente ricas, tolerando umas às outras e até mesmo cooperando quando faz sentido.
Por exemplo, os ratos-karoo-do-mato que vivem perto de parentes têm interações frequentes e amigáveis entre si – compartilhando áreas de forrageamento com e, às vezes, até mesmo tocas de madeira no final da temporada de reprodução, quando há uma grande demanda por tocas.
“Só porque alguns animais vivem solitários não significa que eles não tenham interações sociais”, diz Mayuka.
Até mesmo alguns polvos – um grupo que já foi considerado tão solitário que era uma piada corrente que eles só se encontravam para acasalar ou comer uns aos outros – às vezes se agregam, diz Scheel.
Em um local na Baía de Jervis, no leste da Austrália, indivíduos de uma espécie solitária chamada polvo-sombrio foram atraídos ao mesmo local pela disponibilidade de abrigo.
Isso provavelmente começou quando um polvo empilhou conchas descartadas após comer e estas eventualmente estabilizaram o suficiente para que outro polvo pudesse construir sua toca dentro.
Este novo residente então criou sua própria pilha de conchas descartadas – até que 16 polvos se reuniram em um local, diz Scheel, que tem estudado a região com seus colegas.
Nesta “cidade dos polvos”, os indivíduos se encontram muito mais próximos uns dos outro do que estão acostumados e exibem comportamentos curiosos para lidar com outros de sua espécie.
Às vezes, os machos tentam coagir as fêmeas a ficarem por perto e perseguem outros machos – ocasionalmente rastejando nas tocas uns dos outros, lutando e expulsando-os.
Às vezes, quando os machos expulsos voltam para suas tocas, “o macho que expulsou pode retornar e repetir o despejo”, diz Scheel.
E enquanto limpam suas tocas, os polvos geralmente empurram detritos para o lado de seus vizinhos.
Às vezes, eles seguram os detritos e os jogam uns nos outros, diz Scheel, que documentou algumas dessas interações em um artigo de 2022.
Nem super agressivos, nem cooperativos, alguns cientistas chamam esses comportamentos de “empurrões”, diz Scheel, que ainda tenta entender o propósito dessas interações.
“Temos um animal solitário em uma situação social complexa, e o máximo que fazem é ficar se “empurrando”. E eles parecem totalmente saudáveis. Isso sugere que eles são menos solitários do que pensávamos, ou o estresse de ser [social] não é tão severo [para eles].”
Essas interações sociais sofisticadas ressaltam a inteligência de criaturas solitárias.
Da mesma forma, pesquisadores têm visto alguns répteis solitários observando de perto outros indivíduos e usando essa informação para resolver problemas – uma habilidade que antes era considerada exclusiva dos humanos, diz a cientista comportamental Anna Wilkinson, da Universidade de Lincoln, no Reino Unido.
“Animais que talvez não formassem grupos complexos naturalmente podem, na verdade, ter aspectos muito sofisticados de aprendizado social”, diz ela.
Em experimentos com jabutis-piranga, que se alimentam sozinhos, mas podem se encontrar sob árvores frutíferas, por exemplo, Wilkinson apresentou aos bichos uma cerca transparente em forma de V com comida dentro.
Nenhum animal conseguia alcançar a comida até que Wilkinson e seus colegas treinassem um deles para fazê-lo.
Ao ver seu companheiro réptil alcançar a comida, as outras tartarugas imediatamente seguiram o exemplo.
É especialmente notável ver que os répteis têm a capacidade de aprender com outros indivíduos por imitação, considerando que muitos deles evoluíram para nascer de ovos sem pai nem mãe por perto para lhes ensinar habilidades.
Criar redes
Evidências como essa estão fazendo com que os cientistas o estilo de vida solitário não como uma categoria fixa e uniforme, mas sim como um espectro: de animais como a toupeira cega, que é altamente antissocial, a espécies que vivem em grande parte sozinhas, mas cujos indivíduos aprendem e cooperam uns com os outros.
Algumas espécies até misturam estilos de vida solitários e mais sociais, como os roedores do gênero Lemniscomys, que vivem em comunidade mas passam a viver sozinhos quando começam a procriar.
Também é o caso dos quatis, cujos machos são solitários e as fêmeas caçam em bandos.
Estudar animais solitários e suas redes sociais pode ajudar os conservacionistas a proteger e preservar melhor suas populações de ameaças geradas pelos humanos.
Mayuka e Schradin já começaram um esforço para construir uma comunidade de cientistas para decifrar melhor as vidas, benefícios, necessidades e desafios de animais solitários.
“Ser solitário não é simples e primitivo”, diz Schradin. “Pode ser bastante complexo e ter desafios… que são resolvidos de maneiras diferentes por espécies diferentes.”
Entender toda a amplitude da vida solitária pode até ser útil para as pessoas.
Kimchi está estudando mudanças nos cérebros toupeiras-cegas conforme elas alternam entre estágios introvertidos e mais sociais de acasalamento e criação de filhotes. Talvez essa pesquisa possa ajudar os cientistas a entender como pessoas com condições neurológicas ou psiquiátricas se tornam socialmente retraídas, ela diz.
Mas animais solitários também podem nos ajudar a considerar que ficar sozinho não precisa necessariamente ser problemático, mesmo que tenha sido um tanto estigmatizado em nossa sociedade orientada para a extroversão, diz Schradin.
Animais solitários que não são totalmente antissociais constroem redes sociais significativas ao seu redor – e pessoas que vivem sozinhas podem, e fazem, também.
“Estar sozinho também pode ser a melhor escolha para muitos humanos”, diz Schradin.
*Este texto foi publicado originalmente no site BBC Innovation. Leia o original (em inglês) aqui.
A toupeira-cega-da-palestina é a definição de um ser introvertido. Ela mora no subsolo, em uma profundidade de cerca de 30 cm, e cava sistemas de túneis onde fica durante a maior parte da vida, comendo raízes, tubérculos e bulbos. Cada toupeira-cega tem seu próprio território: se uma delas acidentalmente cavar o túnel de outra, elas mostrarão os dentes ou morderão umas às outras em batalhas violentas, muitas vezes mortais.
As toupeiras-cegas geralmente só interagem com outros animais de sua espécie durante a temporada de acasalamento, mas mesmo assim, devem proceder com cautela.
O macho cava o solo em direção a uma fêmea, mas faz uma pausa antes de entrar em seu túnel. Por vários dias, eles enviam sinais vibracionais um ao outro tamborilando no teto do túnel com suas cabeças.
Somente quando a fêmea expressa interesse em se encontrar, o macho avança, acasala com ela e vai embora. Após fechar o túnel atrás dele, ele continua seu modo de vida recluso.
Estilos de vida solitários como esse são muito comuns no reino animal. Mesmo entre os mamíferos – um grupo geralmente sociável – 22% das espécies estudadas são amplamente solitárias, o que significa que machos e fêmeas dormem e buscam comida sozinhos na maior parte do tempo.
Mas animais solitários recebem relativamente pouca atenção dos cientistas.
Talvez porque nós humanos somos criaturas sociais, tenhamos sido mais atraídos para estudar criaturas que vivem em grupos – quer seja para proteção ou para encontrar comida, procriar e criar filhotes.
Por muito tempo, muitos cientistas tenderam a ignorar a vida solitária, considerando-a um estado de existência mais primitivo e básico, associado a comportamento antissocial e inteligência fraca.
Mas os pesquisadores agora estão começando a reconhecer que alguns animais evoluíram para serem solitários porque isso tem benefícios: evitar a competição e as condições estressantes da vida em grupo.
Para começar, muitos animais solitários são de fato altamente inteligentes e vivem vidas sociais diversas e complexas, apesar de sua solidão.
Embora as toupeiras-cegas sejam uma exceção, muitos animais solitários toleram, aprendem e ocasionalmente até cooperam com outros de sua espécie, permitindo-lhes desfrutar do melhor dos dois mundos.
As vantagens no mundo animal
Viver em grupos certamente tem muitos benefícios. As zebras encontram segurança em rebanhos e leões frequentemente caçam juntos para atacar presas maiores e mais rápidas do que eles. Alguns pássaros colaboram para criar filhotes; chimpanzés se socializam limpando parasitas uns dos outros.
Mas também existem desvantagens.
Em um grupo, “todo abrigo tem que ser compartilhado, cada pedaço de comida tem que ser compartilhado, todo acesso a um parceiro tem que ser compartilhado”, diz David Scheel, um ecologista comportamental da Universidade Alaska Pacific, nos EUA.
E embora caçar juntos e compartilhar comida faça sentido para animais como leões, que geralmente estão cercados por presas grandes e abundantes que podem alimentar vários indivíduos, isso é menos benéfico em situações em que a presa é menor e menos compartilhável. Também não é tão útil quando a presa vive espalhada pela paisagem, quando é preciso mais esforço para encontrá-la.
É provavelmente por isso que tatus e tamanduás buscam sozinhos por insetos.
Também é provável que seja por isso que tigres – que vagam por toda parte para encontrar presas relativamente escassas – caçam sozinhos, o que os ajuda a se aproximarem furtivamente de suas presas com mais facilidade.
Para reduzir ainda mais a competição, tigres e alguns outros caçadores solitários formam pequenos territórios que defendem de outros predadores.
Para a toupera-cega, a solidão significa não precisar competir constantemente por espaço em túneis, que são muito trabalhosos de cavar.
Animais solitários também podem enfrentar menos competição por parceiros e um risco reduzido de contrair doenças e parasitas.
Além disso, as fêmeas podem investir toda a sua energia em cuidar de seus próprios filhotes, sem ter que cuidar dos filhotes de seus vizinhos, como algumas espécies mais sociais fazem.
Para outros animais, como as preguiças, sua camuflagem pode funcionar apenas se não estiverem em grandes grupos.
“Animais solitários são menos chamativos”, diz Lindelani Mayuka, zoólogo da Universidade de Witwatersrand em Joanesburgo, na África do Sul.
Viver sozinho gera desafios – como perder o benefício de se amontoar para se manter aquecido.
Mas alguns animais, como o rato-karoo, do sul da África, contornam isso construindo grandes cabanas de gravetos para se protegerem de oscilações de temperatura e também de predadores, diz Mayuka.
Para animais altamente sociais, ficar sozinho pode ser estressante – muitas vezes levando a problemas de saúde e ansiedade. Mas animais solitários não tem esse problema.
As toupeiras-cegas, por exemplo, ficam estressadas e ansiosas quando são colocadas próximas umas das outras, mesmo que haja uma barreira entre elas. E indivíduos menores e mais submissos sofrem mais.
“Elas podem até morrer devido ao estresse”, diz Tali Kimchi, uma neurocientista comportamental do Instituto Weizmann, em Israel, que estuda as toupeiras-cegas em seu laboratório.
Como todos os mamíferos, toupeiras-cegas-da-palestina cuidam de seus filhotes, mas as mães eventualmente se tornam hostis, forçando seus filhotes a cavar seus próprios túneis longe do da mãe.
“Parece engraçado, mas essa é a forma de sobrevivência dessas criaturas”, diz ela.
Tolerar os vizinhos
Nem todas as espécies solitárias se repelem ativamente.
Muitas delas são atraídas por recursos compartilhados e têm vidas sociais surpreendentemente ricas, tolerando umas às outras e até mesmo cooperando quando faz sentido.
Por exemplo, os ratos-karoo-do-mato que vivem perto de parentes têm interações frequentes e amigáveis entre si – compartilhando áreas de forrageamento com e, às vezes, até mesmo tocas de madeira no final da temporada de reprodução, quando há uma grande demanda por tocas.
“Só porque alguns animais vivem solitários não significa que eles não tenham interações sociais”, diz Mayuka.
Até mesmo alguns polvos – um grupo que já foi considerado tão solitário que era uma piada corrente que eles só se encontravam para acasalar ou comer uns aos outros – às vezes se agregam, diz Scheel.
Em um local na Baía de Jervis, no leste da Austrália, indivíduos de uma espécie solitária chamada polvo-sombrio foram atraídos ao mesmo local pela disponibilidade de abrigo.
Isso provavelmente começou quando um polvo empilhou conchas descartadas após comer e estas eventualmente estabilizaram o suficiente para que outro polvo pudesse construir sua toca dentro.
Este novo residente então criou sua própria pilha de conchas descartadas – até que 16 polvos se reuniram em um local, diz Scheel, que tem estudado a região com seus colegas.
Nesta “cidade dos polvos”, os indivíduos se encontram muito mais próximos uns dos outro do que estão acostumados e exibem comportamentos curiosos para lidar com outros de sua espécie.
Às vezes, os machos tentam coagir as fêmeas a ficarem por perto e perseguem outros machos – ocasionalmente rastejando nas tocas uns dos outros, lutando e expulsando-os.
Às vezes, quando os machos expulsos voltam para suas tocas, “o macho que expulsou pode retornar e repetir o despejo”, diz Scheel.
E enquanto limpam suas tocas, os polvos geralmente empurram detritos para o lado de seus vizinhos.
Às vezes, eles seguram os detritos e os jogam uns nos outros, diz Scheel, que documentou algumas dessas interações em um artigo de 2022.
Nem super agressivos, nem cooperativos, alguns cientistas chamam esses comportamentos de “empurrões”, diz Scheel, que ainda tenta entender o propósito dessas interações.
“Temos um animal solitário em uma situação social complexa, e o máximo que fazem é ficar se “empurrando”. E eles parecem totalmente saudáveis. Isso sugere que eles são menos solitários do que pensávamos, ou o estresse de ser [social] não é tão severo [para eles].”
Essas interações sociais sofisticadas ressaltam a inteligência de criaturas solitárias.
Da mesma forma, pesquisadores têm visto alguns répteis solitários observando de perto outros indivíduos e usando essa informação para resolver problemas – uma habilidade que antes era considerada exclusiva dos humanos, diz a cientista comportamental Anna Wilkinson, da Universidade de Lincoln, no Reino Unido.
“Animais que talvez não formassem grupos complexos naturalmente podem, na verdade, ter aspectos muito sofisticados de aprendizado social”, diz ela.
Em experimentos com jabutis-piranga, que se alimentam sozinhos, mas podem se encontrar sob árvores frutíferas, por exemplo, Wilkinson apresentou aos bichos uma cerca transparente em forma de V com comida dentro.
Nenhum animal conseguia alcançar a comida até que Wilkinson e seus colegas treinassem um deles para fazê-lo.
Ao ver seu companheiro réptil alcançar a comida, as outras tartarugas imediatamente seguiram o exemplo.
É especialmente notável ver que os répteis têm a capacidade de aprender com outros indivíduos por imitação, considerando que muitos deles evoluíram para nascer de ovos sem pai nem mãe por perto para lhes ensinar habilidades.
Criar redes
Evidências como essa estão fazendo com que os cientistas o estilo de vida solitário não como uma categoria fixa e uniforme, mas sim como um espectro: de animais como a toupeira cega, que é altamente antissocial, a espécies que vivem em grande parte sozinhas, mas cujos indivíduos aprendem e cooperam uns com os outros.
Algumas espécies até misturam estilos de vida solitários e mais sociais, como os roedores do gênero Lemniscomys, que vivem em comunidade mas passam a viver sozinhos quando começam a procriar.
Também é o caso dos quatis, cujos machos são solitários e as fêmeas caçam em bandos.
Estudar animais solitários e suas redes sociais pode ajudar os conservacionistas a proteger e preservar melhor suas populações de ameaças geradas pelos humanos.
Mayuka e Schradin já começaram um esforço para construir uma comunidade de cientistas para decifrar melhor as vidas, benefícios, necessidades e desafios de animais solitários.
“Ser solitário não é simples e primitivo”, diz Schradin. “Pode ser bastante complexo e ter desafios… que são resolvidos de maneiras diferentes por espécies diferentes.”
Entender toda a amplitude da vida solitária pode até ser útil para as pessoas.
Kimchi está estudando mudanças nos cérebros toupeiras-cegas conforme elas alternam entre estágios introvertidos e mais sociais de acasalamento e criação de filhotes. Talvez essa pesquisa possa ajudar os cientistas a entender como pessoas com condições neurológicas ou psiquiátricas se tornam socialmente retraídas, ela diz.
Mas animais solitários também podem nos ajudar a considerar que ficar sozinho não precisa necessariamente ser problemático, mesmo que tenha sido um tanto estigmatizado em nossa sociedade orientada para a extroversão, diz Schradin.
Animais solitários que não são totalmente antissociais constroem redes sociais significativas ao seu redor – e pessoas que vivem sozinhas podem, e fazem, também.
“Estar sozinho também pode ser a melhor escolha para muitos humanos”, diz Schradin.
*Este texto foi publicado originalmente no site BBC Innovation. Leia o original (em inglês) aqui.
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