Em abril de 2014, o desaparecimento de Bernardo Uglione Boldrini, um menino de 11 anos, na cidade de Três Passos, no noroeste do Rio Grande do Sul, desencadeou uma investigação que revelou um dos crimes mais chocantes da história recente do Brasil. Dez dias após seu sumiço, o corpo de Bernardo foi encontrado enterrado em uma cova vertical às margens do rio Mico, em Frederico Westphalen, cidade vizinha. O caso, que envolveu o pai, a madrasta e dois amigos do casal, expôs um esquema cruel motivado por conflitos familiares e interesses financeiros. A brutalidade do assassinato, aliado às falhas no sistema de proteção à infância, gerou comoção nacional e debates que permanecem vivos mais de uma década depois. O julgamento dos quatro envolvidos, ocorrido em 2019, foi um marco na justiça gaúcha, mas questões sobre a punição e a prevenção de casos semelhantes continuam em aberto.
Bernardo era conhecido na comunidade de Três Passos como um menino alegre e comunicativo, mas sua vida familiar era marcada por tensões. Após a morte de sua mãe, Odilaine Uglione, em 2010, ele passou a viver com o pai, Leandro Boldrini, e a madrasta, Graciele Ugulini. Relatos de maus-tratos e negligência começaram a surgir, com o menino denunciando à escola e a autoridades locais o ambiente hostil em casa. Apesar disso, as medidas de proteção não foram suficientes para evitar a tragédia. O caso Bernardo tornou-se um símbolo das lacunas no sistema de assistência social e inspirou mudanças em políticas públicas voltadas para crianças em situação de vulnerabilidade.
A investigação revelou que Bernardo foi morto por uma superdosagem de midazolam, um sedativo de uso controlado, administrado intencionalmente. O crime foi planejado por Leandro, Graciele, Edelvania Wirganovicz e Evandro Wirganovicz, que agiram em conjunto para executar e ocultar o assassinato. A descoberta do corpo, guiada pela confissão de Edelvania, chocou a população e colocou Três Passos no centro das atenções nacionais. Mais de dez anos após o crime, o caso continua a gerar discussões sobre justiça, responsabilidade familiar e a necessidade de fortalecer redes de proteção à infância.
- Principais fatos do caso Bernardo Boldrini:
- Desaparecimento em 4 de abril de 2014, em Três Passos.
- Corpo encontrado em 14 de abril de 2014, em Frederico Westphalen.
- Envolvimento de quatro pessoas: Leandro Boldrini, Graciele Ugulini, Edelvania e Evandro Wirganovicz.
- Condenações em 2019, com penas que variam de 9 a 34 anos de prisão.
Contexto familiar e primeiros sinais de alerta
Bernardo Uglione Boldrini nasceu em 2003 e viveu seus primeiros anos em um ambiente aparentemente estável. Sua mãe, Odilaine Uglione, era enfermeira e mantinha uma relação próxima com o filho. Em 2010, Odilaine foi encontrada morta em uma clínica médica em Três Passos, em um caso inicialmente tratado como suicídio. A morte da mãe marcou um ponto de virada na vida de Bernardo, que passou a viver exclusivamente com o pai, Leandro Boldrini, um médico conhecido na região. Leandro logo iniciou um relacionamento com Graciele Ugulini, que se tornou a madrasta de Bernardo e assumiu um papel central na dinâmica familiar.
A convivência com Graciele foi marcada por conflitos. Vizinhos e professores relatavam que Bernardo apresentava sinais de tristeza e isolamento, contrastando com sua personalidade extrovertida. O menino chegou a relatar episódios de maus-tratos ao Conselho Tutelar e ao Ministério Público, descrevendo situações de negligência e violência psicológica. Em uma carta escrita à mão, Bernardo expressou o desejo de morar com outra família, revelando o sofrimento que enfrentava. Apesar dessas denúncias, as autoridades locais não tomaram medidas efetivas, o que permitiu que a situação escalasse até o desfecho trágico.
A herança deixada por Odilaine tornou-se um fator central no caso. Leandro e Graciele, segundo investigações, viam Bernardo como um obstáculo para o controle total dos bens da família. A relação conturbada com o menino, somada aos interesses financeiros, criou um ambiente propício para o planejamento do crime. A falta de intervenção das instituições responsáveis agravou a vulnerabilidade de Bernardo, evidenciando falhas sistêmicas que seriam amplamente discutidas após a revelação do assassinato.
Planejamento e execução do crime
O assassinato de Bernardo foi meticulosamente planejado pelos quatro envolvidos. Em 4 de abril de 2014, Graciele Ugulini levou o menino a Frederico Westphalen sob o pretexto de visitar uma benzedeira, uma estratégia para afastá-lo de Três Passos sem levantar suspeitas. Durante o trajeto, Bernardo recebeu uma dose letal de midazolam, um medicamento que Graciele, enfermeira de formação, tinha acesso. O menino faleceu em decorrência da superdosagem, e seu corpo foi colocado em um saco plástico para transporte.
Edelvania Wirganovicz, amiga de Graciele, desempenhou um papel ativo na execução do plano. Ela auxiliou no transporte do corpo e na escolha do local onde Bernardo seria enterrado. Evandro Wirganovicz, irmão de Edelvania, foi responsável por cavar a cova vertical às margens do rio Mico, em uma área rural de Frederico Westphalen. A frieza dos envolvidos chocou os investigadores, especialmente porque Leandro Boldrini, o pai de Bernardo, continuou sua rotina normalmente, chegando a registrar um boletim de ocorrência falso sobre o desaparecimento do filho.
A ocultação do corpo foi planejada para dificultar a descoberta. A cova, com cerca de 1,5 metro de profundidade, foi coberta com terra e vegetação, tornando-a praticamente invisível. No entanto, a confissão de Edelvania, pressionada pelas investigações, levou as autoridades ao local exato em 14 de abril de 2014. A descoberta do corpo marcou o início de uma série de prisões e revelou a extensão da crueldade do crime, que envolveu não apenas violência física, mas também manipulação e planejamento detalhado.
Investigação e prisões
A Polícia Civil de Três Passos assumiu o caso logo após o registro do desaparecimento de Bernardo. Inicialmente, as suspeitas recaíram sobre Leandro Boldrini, que apresentou contradições em seu depoimento. A pressão da comunidade e a cobertura intensa da imprensa aceleraram as investigações, que ganharam força com a prisão de Graciele Ugulini em 10 de abril de 2014. Graciele negou envolvimento no crime, mas as evidências coletadas, incluindo registros telefônicos e testemunhos, apontavam para sua participação.
Edelvania Wirganovicz foi detida no mesmo dia que Graciele, e sua confissão foi decisiva para o desfecho da investigação. Ela admitiu ter ajudado a ocultar o corpo e indicou o local exato da cova, permitindo a recuperação dos restos mortais de Bernardo. Evandro Wirganovicz, irmão de Edelvania, também foi preso, acusado de cavar a cova e auxiliar na ocultação. Leandro Boldrini, por sua vez, foi detido em 14 de abril, após a descoberta do corpo, acusado de ser o mentor intelectual do crime.
A análise pericial confirmou que Bernardo morreu por intoxicação aguda causada pelo midazolam. Laudos psicológicos e médicos apresentados durante a investigação indicaram que o menino sofreu maus-tratos ao longo de meses, com sinais de violência física e emocional. A denúncia do Ministério Público destacou a premeditação e a crueldade do crime, classificando-o como homicídio quadruplamente qualificado, com agravantes como motivo torpe, meio cruel, impossibilidade de defesa da vítima e violência contra menor de 14 anos.
- Marcos da investigação do caso Bernardo:
- 4 de abril de 2014: Bernardo desaparece em Três Passos.
- 10 de abril de 2014: Graciele e Edelvania são presas.
- 14 de abril de 2014: Corpo de Bernardo é encontrado; Leandro e Evandro são presos.
- 2014-2019: Investigações e preparação para o julgamento.
Julgamento histórico em Três Passos
O julgamento dos quatro envolvidos no caso Bernardo, realizado entre 11 e 15 de março de 2019, foi um dos mais aguardados da história do Rio Grande do Sul. Presidido pela juíza Sucilene Engler, o Tribunal do Júri em Três Passos reuniu mais de 50 horas de depoimentos, vídeos, áudios e provas periciais. A cobertura da imprensa transformou o evento em um marco midiático, com transmissões ao vivo e debates nas redes sociais.
Graciele Ugulini foi condenada a 34 anos e 7 meses de prisão por homicídio quadruplamente qualificado e ocultação de cadáver. A sentença destacou sua responsabilidade direta na administração do midazolam e na liderança do plano. Leandro Boldrini recebeu 33 anos e 8 meses de reclusão, sendo apontado como o mentor intelectual do crime. A juíza enfatizou sua “perversidade extraordinária” e falta de remorso, especialmente por sua posição como pai da vítima.
Edelvania Wirganovicz foi sentenciada a 22 anos e 10 meses por homicídio triplamente qualificado e ocultação de cadáver. Sua colaboração com as autoridades, embora tenha ajudado na localização do corpo, não reduziu significativamente sua pena, devido à gravidade de sua participação. Evandro Wirganovicz, considerado cúmplice secundário, recebeu 9 anos e 6 meses de prisão, cumprindo parte da pena em regime semiaberto e obtendo liberdade condicional em 25 de março de 2019.
Repercussão e anulação do julgamento de Leandro
O caso Bernardo gerou indignação em todo o Brasil, com manifestações em Três Passos e outras cidades gaúchas. A história do menino, que tentou buscar ajuda antes de ser assassinado, sensibilizou a sociedade e levantou questionamentos sobre a eficácia dos mecanismos de proteção infantil. Escolas, conselhos tutelares e órgãos de assistência social passaram a ser cobrados por maior vigilância em casos de suspeita de maus-tratos.
Em dezembro de 2021, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) anulou o julgamento de Leandro Boldrini por quatro votos a três. A decisão, baseada em irregularidades na conduta do promotor durante o interrogatório, gerou controvérsia. Parte da população viu a anulação como uma oportunidade para revisar o caso, enquanto outros a consideraram uma afronta à justiça. Até abril de 2025, o novo julgamento de Leandro ainda não havia sido agendado, mantendo o caso em aberto.
A anulação não afetou as condenações de Graciele, Edelvania e Evandro, que continuaram cumprindo suas penas. Graciele permanece em regime fechado no Presídio Feminino Madre Pelletier, em Porto Alegre, enquanto Edelvania, antes de sua morte em 2025, estava no regime semiaberto no Instituto Penal Feminino de Porto Alegre. A liberdade condicional de Evandro, por sua vez, foi recebida com críticas por parte da comunidade, que questionava a brevidade de sua pena.
Trajetória de Edelvania Wirganovicz no sistema prisional
Edelvania Wirganovicz, uma das figuras centrais do caso, ingressou no sistema penitenciário em abril de 2014, após sua prisão. Inicialmente, ela foi mantida em regime fechado no Presídio Feminino Madre Pelletier. Em maio de 2022, após cumprir mais de 9 anos de sua pena, Edelvania obteve progressão para o regime semiaberto, sendo transferida para o Instituto Penal Feminino de Porto Alegre. A decisão, tomada pelo juiz Geraldo Anastácio Brandeburski Júnior, considerou sua boa conduta carcerária e laudos psicológicos favoráveis.
Em 2023, Edelvania conseguiu prisão domiciliar com monitoramento eletrônico, devido à falta de vagas em unidades prisionais adequadas ao regime semiaberto. A medida, concedida em 10 de outubro de 2023, foi revogada em 20 de fevereiro de 2025, após recurso do Ministério Público, que alegou que ela não havia cumprido 50% da pena, condição necessária para o benefício. Edelvania retornou ao Instituto Penal Feminino, onde foi encontrada sem vida em 22 de abril de 2025, com sinais de asfixia, em um caso que está sob investigação.
A morte de Edelvania reacendeu debates sobre as condições do sistema prisional e a segurança de apenados em casos de grande repercussão. O Instituto Penal Feminino, com capacidade para 96 internas, é equipado com câmeras de monitoramento, mas incidentes como esse levantam questões sobre a eficácia dos protocolos de prevenção. A Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) informou que a Polícia Civil e o Instituto Geral de Perícias estão apurando as circunstâncias do óbito.
- Marcos na trajetória prisional de Edelvania:
- 2014: Presa e mantida em regime fechado no Presídio Madre Pelletier.
- 2022: Progressão para regime semiaberto no Instituto Penal Feminino.
- 2023: Concessão de prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica.
- 2025: Revogação da prisão domiciliar e morte na prisão.
Falhas na proteção infantil
O caso Bernardo Boldrini expôs graves falhas no sistema de proteção à infância no Brasil. Antes de sua morte, o menino buscou ajuda em diversas instâncias, incluindo a escola, o Conselho Tutelar e o Ministério Público. Suas denúncias, no entanto, não resultaram em ações efetivas para retirá-lo do ambiente de risco. Professores relataram que Bernardo apresentava sinais de sofrimento, mas a ausência de coordenação entre os órgãos responsáveis permitiu que ele permanecesse sob os cuidados de Leandro e Graciele.
Após a tragédia, o Rio Grande do Sul implementou medidas para fortalecer a rede de proteção infantil. Em 2015, o governo estadual lançou o Programa de Proteção à Criança e ao Adolescente, que ampliou a capacitação de conselheiros tutelares e educadores para identificar sinais de abuso. A criação de canais de denúncia anônima, como o Disque 100, também foi incentivada, embora a implementação enfrente desafios em áreas rurais, como Três Passos.
Especialistas apontam que casos como o de Bernardo exigem uma abordagem integrada, envolvendo escolas, serviços de saúde, assistência social e o sistema judiciário. A falta de recursos e a burocracia continuam sendo obstáculos para a efetividade dessas políticas. O caso também destacou a importância de ouvir as crianças, muitas vezes desconsideradas em situações de conflito familiar.
Impacto cultural e midiático
O assassinato de Bernardo Boldrini transcendeu as fronteiras de Três Passos, tornando-se um dos casos criminais mais conhecidos do Brasil. A imprensa gaúcha e nacional dedicou ampla cobertura ao crime, com reportagens, documentários e programas de televisão explorando os detalhes do caso. A história inspirou livros e séries, que retrataram a tragédia e suas implicações sociais. A exposição midiática, embora tenha pressionado as autoridades, também gerou críticas por sensacionalismo em alguns momentos.
Nas redes sociais, o caso mobilizou milhares de pessoas, que organizaram campanhas pedindo justiça e reformas no sistema de proteção à infância. Hashtags como #JustiçaPorBernardo viralizaram em 2014 e 2019, durante o julgamento. A memória de Bernardo permanece viva em Três Passos, onde placas e memoriais foram erguidos em sua homenagem. A cidade, marcada pela tragédia, busca superar o estigma enquanto reforça iniciativas comunitárias para proteger suas crianças.
A história de Bernardo também influenciou a legislação. Em 2016, a Lei 13.257, conhecida como Marco Legal da Primeira Infância, foi sancionada, estabelecendo diretrizes para a proteção de crianças de 0 a 6 anos. Embora o foco seja em idades inferiores à de Bernardo, a lei reflete um esforço para priorizar a infância em políticas públicas, um legado indireto do caso.
Sistema prisional e desafios atuais
O sistema prisional gaúcho, onde Edelvania Wirganovicz e Graciele Ugulini cumpriram suas penas, enfrenta desafios estruturais que impactam a gestão de casos de alta repercussão. O Instituto Penal Feminino de Porto Alegre, onde Edelvania foi encontrada morta, é uma das poucas unidades destinadas a mulheres no estado. Com capacidade limitada e recursos escassos, a unidade luta para atender às demandas de segurança, ressocialização e assistência psicológica.
A morte de Edelvania, em 2025, levantou questões sobre os protocolos de monitoramento em presídios. Apesar de o Instituto Penal Feminino contar com câmeras de vigilância e agentes treinados, incidentes como esse revelam vulnerabilidades no sistema. A Susepe informou que está revisando os procedimentos internos, mas a pressão por reformas mais amplas permanece. A superlotação, a falta de vagas e a precariedade de algumas unidades são problemas recorrentes no Rio Grande do Sul.
Graciele Ugulini, que cumpre pena em regime fechado, também enfrenta desafios no sistema prisional. Sua condição como condenada por um crime hediondo exige cuidados especiais, como cela isolada, para garantir sua segurança. A gestão de apenados em casos de grande comoção exige equilíbrio entre punição, ressocialização e proteção, um desafio que o sistema prisional gaúcho ainda busca superar.
Legado de Bernardo Boldrini
A tragédia de Bernardo Boldrini deixou marcas profundas na sociedade gaúcha. Sua história inspirou a criação de iniciativas comunitárias, como grupos de apoio a crianças em situação de risco, e reforçou a importância de ouvir as vítimas de violência doméstica. Escolas de Três Passos passaram a adotar programas de conscientização, ensinando alunos a reconhecer e denunciar abusos. A rede de proteção local foi reestruturada, com maior integração entre conselhos tutelares, escolas e órgãos judiciais.
O caso também teve impacto no sistema judiciário. A anulação do julgamento de Leandro Boldrini, embora polêmica, destacou a necessidade de rigor processual em casos de grande visibilidade. A demora na marcação de um novo júri, no entanto, frustra parte da população, que cobra celeridade na justiça. A luta por justiça para Bernardo continua, enquanto a sociedade reflete sobre como evitar novas tragédias.
A memória de Bernardo permanece como um chamado à ação. Sua história evidencia que a proteção à infância exige esforço coletivo, envolvendo famílias, comunidades e instituições. Enquanto o caso segue influenciando políticas públicas e debates sociais, o legado de Bernardo é um lembrete da importância de priorizar a segurança e o bem-estar das crianças.
- Medidas para fortalecer a proteção infantil:
- Capacitação de professores e conselheiros tutelares para identificar sinais de abuso.
- Ampliação de canais de denúncia anônima, como o Disque 100.
- Integração entre escolas, serviços de saúde e assistência social.
- Investimento em programas de prevenção à violência doméstica.

Em abril de 2014, o desaparecimento de Bernardo Uglione Boldrini, um menino de 11 anos, na cidade de Três Passos, no noroeste do Rio Grande do Sul, desencadeou uma investigação que revelou um dos crimes mais chocantes da história recente do Brasil. Dez dias após seu sumiço, o corpo de Bernardo foi encontrado enterrado em uma cova vertical às margens do rio Mico, em Frederico Westphalen, cidade vizinha. O caso, que envolveu o pai, a madrasta e dois amigos do casal, expôs um esquema cruel motivado por conflitos familiares e interesses financeiros. A brutalidade do assassinato, aliado às falhas no sistema de proteção à infância, gerou comoção nacional e debates que permanecem vivos mais de uma década depois. O julgamento dos quatro envolvidos, ocorrido em 2019, foi um marco na justiça gaúcha, mas questões sobre a punição e a prevenção de casos semelhantes continuam em aberto.
Bernardo era conhecido na comunidade de Três Passos como um menino alegre e comunicativo, mas sua vida familiar era marcada por tensões. Após a morte de sua mãe, Odilaine Uglione, em 2010, ele passou a viver com o pai, Leandro Boldrini, e a madrasta, Graciele Ugulini. Relatos de maus-tratos e negligência começaram a surgir, com o menino denunciando à escola e a autoridades locais o ambiente hostil em casa. Apesar disso, as medidas de proteção não foram suficientes para evitar a tragédia. O caso Bernardo tornou-se um símbolo das lacunas no sistema de assistência social e inspirou mudanças em políticas públicas voltadas para crianças em situação de vulnerabilidade.
A investigação revelou que Bernardo foi morto por uma superdosagem de midazolam, um sedativo de uso controlado, administrado intencionalmente. O crime foi planejado por Leandro, Graciele, Edelvania Wirganovicz e Evandro Wirganovicz, que agiram em conjunto para executar e ocultar o assassinato. A descoberta do corpo, guiada pela confissão de Edelvania, chocou a população e colocou Três Passos no centro das atenções nacionais. Mais de dez anos após o crime, o caso continua a gerar discussões sobre justiça, responsabilidade familiar e a necessidade de fortalecer redes de proteção à infância.
- Principais fatos do caso Bernardo Boldrini:
- Desaparecimento em 4 de abril de 2014, em Três Passos.
- Corpo encontrado em 14 de abril de 2014, em Frederico Westphalen.
- Envolvimento de quatro pessoas: Leandro Boldrini, Graciele Ugulini, Edelvania e Evandro Wirganovicz.
- Condenações em 2019, com penas que variam de 9 a 34 anos de prisão.
Contexto familiar e primeiros sinais de alerta
Bernardo Uglione Boldrini nasceu em 2003 e viveu seus primeiros anos em um ambiente aparentemente estável. Sua mãe, Odilaine Uglione, era enfermeira e mantinha uma relação próxima com o filho. Em 2010, Odilaine foi encontrada morta em uma clínica médica em Três Passos, em um caso inicialmente tratado como suicídio. A morte da mãe marcou um ponto de virada na vida de Bernardo, que passou a viver exclusivamente com o pai, Leandro Boldrini, um médico conhecido na região. Leandro logo iniciou um relacionamento com Graciele Ugulini, que se tornou a madrasta de Bernardo e assumiu um papel central na dinâmica familiar.
A convivência com Graciele foi marcada por conflitos. Vizinhos e professores relatavam que Bernardo apresentava sinais de tristeza e isolamento, contrastando com sua personalidade extrovertida. O menino chegou a relatar episódios de maus-tratos ao Conselho Tutelar e ao Ministério Público, descrevendo situações de negligência e violência psicológica. Em uma carta escrita à mão, Bernardo expressou o desejo de morar com outra família, revelando o sofrimento que enfrentava. Apesar dessas denúncias, as autoridades locais não tomaram medidas efetivas, o que permitiu que a situação escalasse até o desfecho trágico.
A herança deixada por Odilaine tornou-se um fator central no caso. Leandro e Graciele, segundo investigações, viam Bernardo como um obstáculo para o controle total dos bens da família. A relação conturbada com o menino, somada aos interesses financeiros, criou um ambiente propício para o planejamento do crime. A falta de intervenção das instituições responsáveis agravou a vulnerabilidade de Bernardo, evidenciando falhas sistêmicas que seriam amplamente discutidas após a revelação do assassinato.
Planejamento e execução do crime
O assassinato de Bernardo foi meticulosamente planejado pelos quatro envolvidos. Em 4 de abril de 2014, Graciele Ugulini levou o menino a Frederico Westphalen sob o pretexto de visitar uma benzedeira, uma estratégia para afastá-lo de Três Passos sem levantar suspeitas. Durante o trajeto, Bernardo recebeu uma dose letal de midazolam, um medicamento que Graciele, enfermeira de formação, tinha acesso. O menino faleceu em decorrência da superdosagem, e seu corpo foi colocado em um saco plástico para transporte.
Edelvania Wirganovicz, amiga de Graciele, desempenhou um papel ativo na execução do plano. Ela auxiliou no transporte do corpo e na escolha do local onde Bernardo seria enterrado. Evandro Wirganovicz, irmão de Edelvania, foi responsável por cavar a cova vertical às margens do rio Mico, em uma área rural de Frederico Westphalen. A frieza dos envolvidos chocou os investigadores, especialmente porque Leandro Boldrini, o pai de Bernardo, continuou sua rotina normalmente, chegando a registrar um boletim de ocorrência falso sobre o desaparecimento do filho.
A ocultação do corpo foi planejada para dificultar a descoberta. A cova, com cerca de 1,5 metro de profundidade, foi coberta com terra e vegetação, tornando-a praticamente invisível. No entanto, a confissão de Edelvania, pressionada pelas investigações, levou as autoridades ao local exato em 14 de abril de 2014. A descoberta do corpo marcou o início de uma série de prisões e revelou a extensão da crueldade do crime, que envolveu não apenas violência física, mas também manipulação e planejamento detalhado.
Investigação e prisões
A Polícia Civil de Três Passos assumiu o caso logo após o registro do desaparecimento de Bernardo. Inicialmente, as suspeitas recaíram sobre Leandro Boldrini, que apresentou contradições em seu depoimento. A pressão da comunidade e a cobertura intensa da imprensa aceleraram as investigações, que ganharam força com a prisão de Graciele Ugulini em 10 de abril de 2014. Graciele negou envolvimento no crime, mas as evidências coletadas, incluindo registros telefônicos e testemunhos, apontavam para sua participação.
Edelvania Wirganovicz foi detida no mesmo dia que Graciele, e sua confissão foi decisiva para o desfecho da investigação. Ela admitiu ter ajudado a ocultar o corpo e indicou o local exato da cova, permitindo a recuperação dos restos mortais de Bernardo. Evandro Wirganovicz, irmão de Edelvania, também foi preso, acusado de cavar a cova e auxiliar na ocultação. Leandro Boldrini, por sua vez, foi detido em 14 de abril, após a descoberta do corpo, acusado de ser o mentor intelectual do crime.
A análise pericial confirmou que Bernardo morreu por intoxicação aguda causada pelo midazolam. Laudos psicológicos e médicos apresentados durante a investigação indicaram que o menino sofreu maus-tratos ao longo de meses, com sinais de violência física e emocional. A denúncia do Ministério Público destacou a premeditação e a crueldade do crime, classificando-o como homicídio quadruplamente qualificado, com agravantes como motivo torpe, meio cruel, impossibilidade de defesa da vítima e violência contra menor de 14 anos.
- Marcos da investigação do caso Bernardo:
- 4 de abril de 2014: Bernardo desaparece em Três Passos.
- 10 de abril de 2014: Graciele e Edelvania são presas.
- 14 de abril de 2014: Corpo de Bernardo é encontrado; Leandro e Evandro são presos.
- 2014-2019: Investigações e preparação para o julgamento.
Julgamento histórico em Três Passos
O julgamento dos quatro envolvidos no caso Bernardo, realizado entre 11 e 15 de março de 2019, foi um dos mais aguardados da história do Rio Grande do Sul. Presidido pela juíza Sucilene Engler, o Tribunal do Júri em Três Passos reuniu mais de 50 horas de depoimentos, vídeos, áudios e provas periciais. A cobertura da imprensa transformou o evento em um marco midiático, com transmissões ao vivo e debates nas redes sociais.
Graciele Ugulini foi condenada a 34 anos e 7 meses de prisão por homicídio quadruplamente qualificado e ocultação de cadáver. A sentença destacou sua responsabilidade direta na administração do midazolam e na liderança do plano. Leandro Boldrini recebeu 33 anos e 8 meses de reclusão, sendo apontado como o mentor intelectual do crime. A juíza enfatizou sua “perversidade extraordinária” e falta de remorso, especialmente por sua posição como pai da vítima.
Edelvania Wirganovicz foi sentenciada a 22 anos e 10 meses por homicídio triplamente qualificado e ocultação de cadáver. Sua colaboração com as autoridades, embora tenha ajudado na localização do corpo, não reduziu significativamente sua pena, devido à gravidade de sua participação. Evandro Wirganovicz, considerado cúmplice secundário, recebeu 9 anos e 6 meses de prisão, cumprindo parte da pena em regime semiaberto e obtendo liberdade condicional em 25 de março de 2019.
Repercussão e anulação do julgamento de Leandro
O caso Bernardo gerou indignação em todo o Brasil, com manifestações em Três Passos e outras cidades gaúchas. A história do menino, que tentou buscar ajuda antes de ser assassinado, sensibilizou a sociedade e levantou questionamentos sobre a eficácia dos mecanismos de proteção infantil. Escolas, conselhos tutelares e órgãos de assistência social passaram a ser cobrados por maior vigilância em casos de suspeita de maus-tratos.
Em dezembro de 2021, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) anulou o julgamento de Leandro Boldrini por quatro votos a três. A decisão, baseada em irregularidades na conduta do promotor durante o interrogatório, gerou controvérsia. Parte da população viu a anulação como uma oportunidade para revisar o caso, enquanto outros a consideraram uma afronta à justiça. Até abril de 2025, o novo julgamento de Leandro ainda não havia sido agendado, mantendo o caso em aberto.
A anulação não afetou as condenações de Graciele, Edelvania e Evandro, que continuaram cumprindo suas penas. Graciele permanece em regime fechado no Presídio Feminino Madre Pelletier, em Porto Alegre, enquanto Edelvania, antes de sua morte em 2025, estava no regime semiaberto no Instituto Penal Feminino de Porto Alegre. A liberdade condicional de Evandro, por sua vez, foi recebida com críticas por parte da comunidade, que questionava a brevidade de sua pena.
Trajetória de Edelvania Wirganovicz no sistema prisional
Edelvania Wirganovicz, uma das figuras centrais do caso, ingressou no sistema penitenciário em abril de 2014, após sua prisão. Inicialmente, ela foi mantida em regime fechado no Presídio Feminino Madre Pelletier. Em maio de 2022, após cumprir mais de 9 anos de sua pena, Edelvania obteve progressão para o regime semiaberto, sendo transferida para o Instituto Penal Feminino de Porto Alegre. A decisão, tomada pelo juiz Geraldo Anastácio Brandeburski Júnior, considerou sua boa conduta carcerária e laudos psicológicos favoráveis.
Em 2023, Edelvania conseguiu prisão domiciliar com monitoramento eletrônico, devido à falta de vagas em unidades prisionais adequadas ao regime semiaberto. A medida, concedida em 10 de outubro de 2023, foi revogada em 20 de fevereiro de 2025, após recurso do Ministério Público, que alegou que ela não havia cumprido 50% da pena, condição necessária para o benefício. Edelvania retornou ao Instituto Penal Feminino, onde foi encontrada sem vida em 22 de abril de 2025, com sinais de asfixia, em um caso que está sob investigação.
A morte de Edelvania reacendeu debates sobre as condições do sistema prisional e a segurança de apenados em casos de grande repercussão. O Instituto Penal Feminino, com capacidade para 96 internas, é equipado com câmeras de monitoramento, mas incidentes como esse levantam questões sobre a eficácia dos protocolos de prevenção. A Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) informou que a Polícia Civil e o Instituto Geral de Perícias estão apurando as circunstâncias do óbito.
- Marcos na trajetória prisional de Edelvania:
- 2014: Presa e mantida em regime fechado no Presídio Madre Pelletier.
- 2022: Progressão para regime semiaberto no Instituto Penal Feminino.
- 2023: Concessão de prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica.
- 2025: Revogação da prisão domiciliar e morte na prisão.
Falhas na proteção infantil
O caso Bernardo Boldrini expôs graves falhas no sistema de proteção à infância no Brasil. Antes de sua morte, o menino buscou ajuda em diversas instâncias, incluindo a escola, o Conselho Tutelar e o Ministério Público. Suas denúncias, no entanto, não resultaram em ações efetivas para retirá-lo do ambiente de risco. Professores relataram que Bernardo apresentava sinais de sofrimento, mas a ausência de coordenação entre os órgãos responsáveis permitiu que ele permanecesse sob os cuidados de Leandro e Graciele.
Após a tragédia, o Rio Grande do Sul implementou medidas para fortalecer a rede de proteção infantil. Em 2015, o governo estadual lançou o Programa de Proteção à Criança e ao Adolescente, que ampliou a capacitação de conselheiros tutelares e educadores para identificar sinais de abuso. A criação de canais de denúncia anônima, como o Disque 100, também foi incentivada, embora a implementação enfrente desafios em áreas rurais, como Três Passos.
Especialistas apontam que casos como o de Bernardo exigem uma abordagem integrada, envolvendo escolas, serviços de saúde, assistência social e o sistema judiciário. A falta de recursos e a burocracia continuam sendo obstáculos para a efetividade dessas políticas. O caso também destacou a importância de ouvir as crianças, muitas vezes desconsideradas em situações de conflito familiar.
Impacto cultural e midiático
O assassinato de Bernardo Boldrini transcendeu as fronteiras de Três Passos, tornando-se um dos casos criminais mais conhecidos do Brasil. A imprensa gaúcha e nacional dedicou ampla cobertura ao crime, com reportagens, documentários e programas de televisão explorando os detalhes do caso. A história inspirou livros e séries, que retrataram a tragédia e suas implicações sociais. A exposição midiática, embora tenha pressionado as autoridades, também gerou críticas por sensacionalismo em alguns momentos.
Nas redes sociais, o caso mobilizou milhares de pessoas, que organizaram campanhas pedindo justiça e reformas no sistema de proteção à infância. Hashtags como #JustiçaPorBernardo viralizaram em 2014 e 2019, durante o julgamento. A memória de Bernardo permanece viva em Três Passos, onde placas e memoriais foram erguidos em sua homenagem. A cidade, marcada pela tragédia, busca superar o estigma enquanto reforça iniciativas comunitárias para proteger suas crianças.
A história de Bernardo também influenciou a legislação. Em 2016, a Lei 13.257, conhecida como Marco Legal da Primeira Infância, foi sancionada, estabelecendo diretrizes para a proteção de crianças de 0 a 6 anos. Embora o foco seja em idades inferiores à de Bernardo, a lei reflete um esforço para priorizar a infância em políticas públicas, um legado indireto do caso.
Sistema prisional e desafios atuais
O sistema prisional gaúcho, onde Edelvania Wirganovicz e Graciele Ugulini cumpriram suas penas, enfrenta desafios estruturais que impactam a gestão de casos de alta repercussão. O Instituto Penal Feminino de Porto Alegre, onde Edelvania foi encontrada morta, é uma das poucas unidades destinadas a mulheres no estado. Com capacidade limitada e recursos escassos, a unidade luta para atender às demandas de segurança, ressocialização e assistência psicológica.
A morte de Edelvania, em 2025, levantou questões sobre os protocolos de monitoramento em presídios. Apesar de o Instituto Penal Feminino contar com câmeras de vigilância e agentes treinados, incidentes como esse revelam vulnerabilidades no sistema. A Susepe informou que está revisando os procedimentos internos, mas a pressão por reformas mais amplas permanece. A superlotação, a falta de vagas e a precariedade de algumas unidades são problemas recorrentes no Rio Grande do Sul.
Graciele Ugulini, que cumpre pena em regime fechado, também enfrenta desafios no sistema prisional. Sua condição como condenada por um crime hediondo exige cuidados especiais, como cela isolada, para garantir sua segurança. A gestão de apenados em casos de grande comoção exige equilíbrio entre punição, ressocialização e proteção, um desafio que o sistema prisional gaúcho ainda busca superar.
Legado de Bernardo Boldrini
A tragédia de Bernardo Boldrini deixou marcas profundas na sociedade gaúcha. Sua história inspirou a criação de iniciativas comunitárias, como grupos de apoio a crianças em situação de risco, e reforçou a importância de ouvir as vítimas de violência doméstica. Escolas de Três Passos passaram a adotar programas de conscientização, ensinando alunos a reconhecer e denunciar abusos. A rede de proteção local foi reestruturada, com maior integração entre conselhos tutelares, escolas e órgãos judiciais.
O caso também teve impacto no sistema judiciário. A anulação do julgamento de Leandro Boldrini, embora polêmica, destacou a necessidade de rigor processual em casos de grande visibilidade. A demora na marcação de um novo júri, no entanto, frustra parte da população, que cobra celeridade na justiça. A luta por justiça para Bernardo continua, enquanto a sociedade reflete sobre como evitar novas tragédias.
A memória de Bernardo permanece como um chamado à ação. Sua história evidencia que a proteção à infância exige esforço coletivo, envolvendo famílias, comunidades e instituições. Enquanto o caso segue influenciando políticas públicas e debates sociais, o legado de Bernardo é um lembrete da importância de priorizar a segurança e o bem-estar das crianças.
- Medidas para fortalecer a proteção infantil:
- Capacitação de professores e conselheiros tutelares para identificar sinais de abuso.
- Ampliação de canais de denúncia anônima, como o Disque 100.
- Integração entre escolas, serviços de saúde e assistência social.
- Investimento em programas de prevenção à violência doméstica.
