“Ele não tinha nada, não tinha queixa de nada, saiu de casa como um dia normal de pedal”, lembra Nathalia de Campos Bovi, de Limeira (SP), sobre o dia em que perdeu o marido, Rodrigo, 36, em uma segunda-feira, dia 8 de janeiro de 2024. Desde então, ela, que tem uma filha de 5 anos, ela tem emocionado milhares de pessoas ao compartilhar sobre as diversas fases do luto Em um instante, tudo mudou. O que parecia ser apenas mais uma segunda-feira comum transformou-se no início do capítulo mais doloroso da vida de Nathalia de Campos Bovi (@nathaliabovi), 36 anos. A dentista e advogada de Limeira, interior de São Paulo, enfrentou a perda repentina do marido, Rodrigo, aos 35 anos, vítima de um infarto fulminante enquanto pedalava com um grupo de ciclistas.
Grávida e mãe de uma menina de 4 anos, Nathalia viu sua rotina desmoronar — e, semanas depois, ainda enfrentaria a dor da perda do bebê que esperava. “Acho que o sentimento que define o que eu senti naquele 8 de janeiro de 2024 é choque — eu não conseguia pensar, eu não conseguia entender e assimilar tudo o que estava acontecendo”, lembra.
Em entrevista à CRESCER, ela contou como foi o processo de transformar o luto em palavras, que têm sido compartilhadas nas redes sociais, tocando corações com sua força e resiliência. “Somos obrigados a aprender a conviver com o luto. É também um choque de realidade para quem fica — entendemos que a vida é curta, e tudo pode acontecer em um piscar de olhos”, disse.
Nathalia com Bia e Rodrigo
Reprodução/Instagram
Taboola Recommendation
“Rodrigo e eu nascemos e crescemos na mesma cidade, Limeira, interior de São Paulo. Apesar de termos muitos amigos em comum, nunca nos encontramos. Mais tarde, fui estudar em Ribeirão Preto e ele em Botucatu. Sempre que voltava para Limeira, frequentava o salão de beleza da tia dele. Ela sabia que nós dois estávamos solteiros e começou a falar dele para mim e de mim para ele. Na época, ele me adicionou em uma rede social e começamos a conversar até que, um dia, a tia dele armou para nos encontrarmos pessoalmente no salão dela. Foi rápido, eu estava cortando o cabelo quando ele chegou — e foi assim que nos vemos pela primeira vez.
Após um tempo conversando online, para de falar e chegou a Copa do Mundo aqui no Brasil. No dia da estreia, embarquei para Chicago (EUA). Quando estava lá, ele mandou uma mensagem pedindo que eu comprasse algo para ele. Então, na volta, em julho de 2014, ele me convidou para sair. Não levei a pomada que ele pediu de propósito (risos). Então, ele me chamou de novo e, aí sim, eu levei a pomada. A partir de então, começamos a nos ver mais e, em outubro, ele oficialmente me pediu em namoro.
A chegada de Beatriz
A minha gravidez foi até 39 semanas e cinco dias, quando estourou a bolsa. Acordei Rodrigo e fomos para o hospital. Às 8h da manhã, Beatriz nasceu de parto normal. Ele participou de tudo e foi um paizão até os 4 anos dela — fazia questão de levar na escola, brincar, ficar com ela… Rodrigo sempre treinou, mas, numa época, ele lesionou o quadril, precisou parar de treinar e acabou engordou 20 kg em pouco mais de dois anos. No fim de 2023, ele voltou a treinar e disse que faria o Caminho da Fé até Aparecida do Norte de bike, era a meta dele. Entao, ele voltou a treinar todos os dias e começou a recuperar a forma física.
Rodrigo com Nathalia e a filha, Beatriz
Reprodução/Instagram
Partida inesperada
Nessa época, ele chegava em casa para almoçar e sempre dizia: ‘Hoje, peguei pesado, estou morto, cansado…’ Eu já estava acostumada. Então, em 8 de janeiro de 2024, eu estava correndo na esteira, ele acordou, tomou o café da manhã dele e foi pedalar. Eu continuei minha vida — tomei banho e fui para os meus compromissos do dia. Até que, um número desconhecido me ligou e, quando atendi, uma pessoa disse: ‘Nathalia, aqui é da portaria de um condomínio, o Rodrigo está passando mal aqui na frente, mas fica tranquila, já chamamos o SAMU’.
Eu não entendi realmente o que estava acontecendo e a gravidade do que estava acontecendo. Lembro que liguei pra minha irmã e para o meu pai, que são médicos, e pedi que eles fossem até lá. Avisei também a minha sogra e fui para encontrá-lo — é um trajeto que não leva nem 10 minutos de carro. Nessa época, eu estava grávida de 7 semanas. No caminho, pela primeira vez na vida, bati o carro — não sei como fiz isso! Mandei uma mensagem no grupo da família, avisando que tinha sofrido um acidente e disse que estava bem.
Liguei, então, para um primo, expliquei tudo e ele foi me encontrar. Quando chegou, ele estava acompanhado do meu pai. Meu primo ficou com meu carro e pediu que eu fosse com meu pai. Mas, em vez de me levar para o condomínio, onde estava Rodrigo, ele me levou para a casa dele. Chegando lá, perguntei porque não fomos até o Rodrigo e ele perguntou se eu realmente queria ir para lá, e eu disse que sim. Tudo estava estranho — meu pai estava dirigindo a 10 km/hora, demorou uma eternidade. No caminho, vi que uma ambulância do SAMU havia passado e falei: ‘Pai, está tudo bem com o Rodrigo, a ambulância já está levando ele embora’. Ao passar na frente desse condomínio, vi que Rodrigo já tinha sido levado, mas estava todo mundo lá.
Fomos para o hospital e, quando estacionamos, já vi minha irmã sair lá de dentro com a aliança dele nas mãos, chorando, chorando muito… Eu não tinha entendido, até aquele momento, o que estava acontecendo. Na hora que minha irmã saiu com a aliança, eu nem sei o que eu fiz. Me colocaram numa cadeira de rodas, levaram para dentro do hospital, mediram minha pressão, começaram a fazer um monte de perguntas e fui colocada em uma salinha para conversar com a assistente. Quando ela chegou, perguntou se eu queria vê-lo e eu falei que sim.
Quando entrei, meus sogros estavam lá e ele realmente estava lá — deitado, com a roupa de bike que ele havia saído de casa e que eu tinha visto duas horas antes. Existem momentos que simplesmente apagaram da minha memória, mas só sei que fiquei ali, não sei por quanto tempo. Ele não tinha nada, não tinha queixa de nada, saiu de casa como um dia normal de pedal. No dia anterior estava muito feliz, tinha tido uma conversa com o pai dele, disse que estava feliz com essa conversa, que estava se sentindo muito bem, com uma paz dentro dele. Acho que o sentimento que define o que eu senti naquele 8 de janeiro de 2024 é choque — eu não conseguia pensar, eu não conseguia entender e assimilar tudo o que estava acontecendo.
Contando para a Bia
Não contei para Beatriz no dia em que tudo aconteceu. No dia seguinte, foi o velório, e também não consegui. Apenas na quarta-feira, sentei e contei para ela. Desde que saí de casa naquela segunda-feira, não voltei mais. Decidi que Beatriz e eu passaríamos umas ‘ferias’ na casa da minha irmã. Ficamos três dias lá e depois fomos para a casa dos meus pais. Eu não tinha forças para ir para a nossa casa.
Na quarta-feira, eu acordei e minha irmã falou: ‘Você conta ou eu conto? Ela precisa saber’. Eu tinha dito apenas que Rodrigo passou mal e estava no hospital. Então, sentei e disse que, na noite anterior, depois que ela dormiu, eu tinha voltado ao hospital, conversei com o papai e ele pediu para que eu cuidasse dela e ela de mim, e para que nós duas cuidássemos do bebê que estava na minha barriga. Falei que o papai pediu para dizer que a amava muito, mas que precisava ir com o Papai do Céu, pois tinha chamado ele, e ele aceitou o convite, ganhou asas e foi morar no Céu. Então, nós duas nos abraçamos, choramos muito no sofá e, depois, continuamos nosso dia.
A todo momento, ela perguntava, queria saber como foi… O tempo foi passando e, quando estava prestes a completar três meses, percebi que ela finalmente entendeu que o papai não iria voltar. Antes, ela perguntava: ‘Mãe, essa viagem do papai está muito longa, ele não vai voltar?’ Eu dizia para ela que a viagem do Papai do Céu não tinha volta, mas explicava que o papai estava em todos os lugares que ela estava, pois ele, agora, tem asas e a acompanha em todos os momentos. Hoje, ela lembra e fala muito sobre as coisas que o pai gostava e que fazia com ela. Voltamos para a nossa casa em dezembro. No dia em que chegamos, ela entrou e disse que ele estava lá.
Um dos últimos aniversários juntos
Reprodução/Instagram
Infarto fulminante
Depois de algumas semanas, conversei com o treinador dele e soube que, durante o pedal, ele começou a dizer que estava cansado. Em um momento, ele chegou a descer da bike para empurrá-la — algo que ele não fazia. Ele parou, disse que estava muito cansado e pediu para ligar e pedir para que eu buscasse ele. No entanto, combinaram de caminhar até a portaria desse condomínio. Ali, ele caiu no chão. Acho que ninguém entendeu a dimensão do que estava acontecendo, e ele também não entendeu. Ele jamais imaginou que estava infartando. Foi um infarto fulminante.
O SAMU foi chamado, chegaram a aplicar injeção de adrenalina, minha irmã ficou com ele por mais de uma hora e não deixou que o socorristas parassem atpe que pediu para que o colocassem dentro da ambulância… e eu achando que era apenas um quadro de cansaço e ficaria tudo bem, que tudo voltaria ao normal.
Convivendo com o luto
Lidar com o luto é um processo diário de aprendizado, de memórias. Eu sinto ele ainda tão presente na minha vida, pois, a todo momento, peço respostas, peço aju da, peço para ele me dizer se estou no caminho certo. Ele sempre me falava que não era para a gente se preocupar porque o nosso caminho já estava trilhado. Ele dizia: ‘O nosso caminho sempre dá certo. Se deu algo errado, é porque o caminho é outro.’ E o que eu peço para ele, todos os dias, é para guiar os caminhos meu e da Beatriz.
Quando estava próximo de completar um mês de falecimento, eu voltei a trabalhar, precisa voltar à rotina e ocupar a cabeça. Tenho uma janela grande no meu consultório com vista para um jardim. Na noite anterior, eu rezei e pedi que ele me desse um sinal se estivesse tudo bem com ele. No dia seguinte, um beija-flor apareceu na minha janela, me olhou e foi embora. Eu nunca tinha visto um naquele jardim. Agora, eu os vejo quase todos os dias. Quase não vou ao cemitério, pois, para mim, ele não está lá. Sua alma, seu espírito está vivo, está aqui. A gente aprende a ver respostas onde não imaginaríamos, é um processo diário.
Escrever sobre o luto é uma forma de desabafo. Nunca fui de postar ou escrever, mas quando soube que muitas pessoas queriam notícias nossas, queriam saber como estávamos, comecei a compartilhar sobre o processo que estávamos passando. Na hora em que eu sento para escrever, sai da alma. Com isso, novas pessoas foram chegando e fui descobrindo o tanto de mulheres e famílias que passaram por situações semelhantes. Isso me ajudou muito. Somos obrigados a aprender a conviver com o luto. É também um choque de realidade para quem fica — entendemos que a vida é curta, e tudo pode acontecer em um piscar de olhos.
Perdi Rodrigo no dia 8 de janeiro e perdi o bebê que estava esperando no dia 31. Então, janeiro de 2024 foi o mês em que perdi duas das coisas mais valiosas da minha vida — meu marido e um filho. Hoje, somos só eu e Beatriz. Então, o que posso falar para as pessoas que passam pela perda é que a vida continua. Precisamos ser fortes, corajosos e seguir com os nossos sonhos. Eu voltei a correr — a corrida tem sido uma terapia na minha vida. No ano passado, fiz a meia maratona de Buenos Aires, levo minha filha para todas as corridas. É um passeio e também uma forma de lembrar do que a gente gostava de fazer — Rodrigo e eu viajávamos muito. Todas as vezes em que conseguimos, nós viajamos, e essas memórias vão ficar para sempre.
Sei que, daqui a alguns anos, Beatriz não vai lembrar de muitas coisas. Quando ele partiu, ela tinha acabado de fazer 4 anos, então, estou montando álbuns de fotos para que a memória do pai fique sempre muito presente na vida dela. O corpo deixa de estar com a gente, mas tenho certeza que a alma vai sempre vai estar por perto. O mundo continua, a vida continua.”
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“Ele não tinha nada, não tinha queixa de nada, saiu de casa como um dia normal de pedal”, lembra Nathalia de Campos Bovi, de Limeira (SP), sobre o dia em que perdeu o marido, Rodrigo, 36, em uma segunda-feira, dia 8 de janeiro de 2024. Desde então, ela, que tem uma filha de 5 anos, ela tem emocionado milhares de pessoas ao compartilhar sobre as diversas fases do luto Em um instante, tudo mudou. O que parecia ser apenas mais uma segunda-feira comum transformou-se no início do capítulo mais doloroso da vida de Nathalia de Campos Bovi (@nathaliabovi), 36 anos. A dentista e advogada de Limeira, interior de São Paulo, enfrentou a perda repentina do marido, Rodrigo, aos 35 anos, vítima de um infarto fulminante enquanto pedalava com um grupo de ciclistas.
Grávida e mãe de uma menina de 4 anos, Nathalia viu sua rotina desmoronar — e, semanas depois, ainda enfrentaria a dor da perda do bebê que esperava. “Acho que o sentimento que define o que eu senti naquele 8 de janeiro de 2024 é choque — eu não conseguia pensar, eu não conseguia entender e assimilar tudo o que estava acontecendo”, lembra.
Em entrevista à CRESCER, ela contou como foi o processo de transformar o luto em palavras, que têm sido compartilhadas nas redes sociais, tocando corações com sua força e resiliência. “Somos obrigados a aprender a conviver com o luto. É também um choque de realidade para quem fica — entendemos que a vida é curta, e tudo pode acontecer em um piscar de olhos”, disse.
Nathalia com Bia e Rodrigo
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Taboola Recommendation
“Rodrigo e eu nascemos e crescemos na mesma cidade, Limeira, interior de São Paulo. Apesar de termos muitos amigos em comum, nunca nos encontramos. Mais tarde, fui estudar em Ribeirão Preto e ele em Botucatu. Sempre que voltava para Limeira, frequentava o salão de beleza da tia dele. Ela sabia que nós dois estávamos solteiros e começou a falar dele para mim e de mim para ele. Na época, ele me adicionou em uma rede social e começamos a conversar até que, um dia, a tia dele armou para nos encontrarmos pessoalmente no salão dela. Foi rápido, eu estava cortando o cabelo quando ele chegou — e foi assim que nos vemos pela primeira vez.
Após um tempo conversando online, para de falar e chegou a Copa do Mundo aqui no Brasil. No dia da estreia, embarquei para Chicago (EUA). Quando estava lá, ele mandou uma mensagem pedindo que eu comprasse algo para ele. Então, na volta, em julho de 2014, ele me convidou para sair. Não levei a pomada que ele pediu de propósito (risos). Então, ele me chamou de novo e, aí sim, eu levei a pomada. A partir de então, começamos a nos ver mais e, em outubro, ele oficialmente me pediu em namoro.
A chegada de Beatriz
A minha gravidez foi até 39 semanas e cinco dias, quando estourou a bolsa. Acordei Rodrigo e fomos para o hospital. Às 8h da manhã, Beatriz nasceu de parto normal. Ele participou de tudo e foi um paizão até os 4 anos dela — fazia questão de levar na escola, brincar, ficar com ela… Rodrigo sempre treinou, mas, numa época, ele lesionou o quadril, precisou parar de treinar e acabou engordou 20 kg em pouco mais de dois anos. No fim de 2023, ele voltou a treinar e disse que faria o Caminho da Fé até Aparecida do Norte de bike, era a meta dele. Entao, ele voltou a treinar todos os dias e começou a recuperar a forma física.
Rodrigo com Nathalia e a filha, Beatriz
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Partida inesperada
Nessa época, ele chegava em casa para almoçar e sempre dizia: ‘Hoje, peguei pesado, estou morto, cansado…’ Eu já estava acostumada. Então, em 8 de janeiro de 2024, eu estava correndo na esteira, ele acordou, tomou o café da manhã dele e foi pedalar. Eu continuei minha vida — tomei banho e fui para os meus compromissos do dia. Até que, um número desconhecido me ligou e, quando atendi, uma pessoa disse: ‘Nathalia, aqui é da portaria de um condomínio, o Rodrigo está passando mal aqui na frente, mas fica tranquila, já chamamos o SAMU’.
Eu não entendi realmente o que estava acontecendo e a gravidade do que estava acontecendo. Lembro que liguei pra minha irmã e para o meu pai, que são médicos, e pedi que eles fossem até lá. Avisei também a minha sogra e fui para encontrá-lo — é um trajeto que não leva nem 10 minutos de carro. Nessa época, eu estava grávida de 7 semanas. No caminho, pela primeira vez na vida, bati o carro — não sei como fiz isso! Mandei uma mensagem no grupo da família, avisando que tinha sofrido um acidente e disse que estava bem.
Liguei, então, para um primo, expliquei tudo e ele foi me encontrar. Quando chegou, ele estava acompanhado do meu pai. Meu primo ficou com meu carro e pediu que eu fosse com meu pai. Mas, em vez de me levar para o condomínio, onde estava Rodrigo, ele me levou para a casa dele. Chegando lá, perguntei porque não fomos até o Rodrigo e ele perguntou se eu realmente queria ir para lá, e eu disse que sim. Tudo estava estranho — meu pai estava dirigindo a 10 km/hora, demorou uma eternidade. No caminho, vi que uma ambulância do SAMU havia passado e falei: ‘Pai, está tudo bem com o Rodrigo, a ambulância já está levando ele embora’. Ao passar na frente desse condomínio, vi que Rodrigo já tinha sido levado, mas estava todo mundo lá.
Fomos para o hospital e, quando estacionamos, já vi minha irmã sair lá de dentro com a aliança dele nas mãos, chorando, chorando muito… Eu não tinha entendido, até aquele momento, o que estava acontecendo. Na hora que minha irmã saiu com a aliança, eu nem sei o que eu fiz. Me colocaram numa cadeira de rodas, levaram para dentro do hospital, mediram minha pressão, começaram a fazer um monte de perguntas e fui colocada em uma salinha para conversar com a assistente. Quando ela chegou, perguntou se eu queria vê-lo e eu falei que sim.
Quando entrei, meus sogros estavam lá e ele realmente estava lá — deitado, com a roupa de bike que ele havia saído de casa e que eu tinha visto duas horas antes. Existem momentos que simplesmente apagaram da minha memória, mas só sei que fiquei ali, não sei por quanto tempo. Ele não tinha nada, não tinha queixa de nada, saiu de casa como um dia normal de pedal. No dia anterior estava muito feliz, tinha tido uma conversa com o pai dele, disse que estava feliz com essa conversa, que estava se sentindo muito bem, com uma paz dentro dele. Acho que o sentimento que define o que eu senti naquele 8 de janeiro de 2024 é choque — eu não conseguia pensar, eu não conseguia entender e assimilar tudo o que estava acontecendo.
Contando para a Bia
Não contei para Beatriz no dia em que tudo aconteceu. No dia seguinte, foi o velório, e também não consegui. Apenas na quarta-feira, sentei e contei para ela. Desde que saí de casa naquela segunda-feira, não voltei mais. Decidi que Beatriz e eu passaríamos umas ‘ferias’ na casa da minha irmã. Ficamos três dias lá e depois fomos para a casa dos meus pais. Eu não tinha forças para ir para a nossa casa.
Na quarta-feira, eu acordei e minha irmã falou: ‘Você conta ou eu conto? Ela precisa saber’. Eu tinha dito apenas que Rodrigo passou mal e estava no hospital. Então, sentei e disse que, na noite anterior, depois que ela dormiu, eu tinha voltado ao hospital, conversei com o papai e ele pediu para que eu cuidasse dela e ela de mim, e para que nós duas cuidássemos do bebê que estava na minha barriga. Falei que o papai pediu para dizer que a amava muito, mas que precisava ir com o Papai do Céu, pois tinha chamado ele, e ele aceitou o convite, ganhou asas e foi morar no Céu. Então, nós duas nos abraçamos, choramos muito no sofá e, depois, continuamos nosso dia.
A todo momento, ela perguntava, queria saber como foi… O tempo foi passando e, quando estava prestes a completar três meses, percebi que ela finalmente entendeu que o papai não iria voltar. Antes, ela perguntava: ‘Mãe, essa viagem do papai está muito longa, ele não vai voltar?’ Eu dizia para ela que a viagem do Papai do Céu não tinha volta, mas explicava que o papai estava em todos os lugares que ela estava, pois ele, agora, tem asas e a acompanha em todos os momentos. Hoje, ela lembra e fala muito sobre as coisas que o pai gostava e que fazia com ela. Voltamos para a nossa casa em dezembro. No dia em que chegamos, ela entrou e disse que ele estava lá.
Um dos últimos aniversários juntos
Reprodução/Instagram
Infarto fulminante
Depois de algumas semanas, conversei com o treinador dele e soube que, durante o pedal, ele começou a dizer que estava cansado. Em um momento, ele chegou a descer da bike para empurrá-la — algo que ele não fazia. Ele parou, disse que estava muito cansado e pediu para ligar e pedir para que eu buscasse ele. No entanto, combinaram de caminhar até a portaria desse condomínio. Ali, ele caiu no chão. Acho que ninguém entendeu a dimensão do que estava acontecendo, e ele também não entendeu. Ele jamais imaginou que estava infartando. Foi um infarto fulminante.
O SAMU foi chamado, chegaram a aplicar injeção de adrenalina, minha irmã ficou com ele por mais de uma hora e não deixou que o socorristas parassem atpe que pediu para que o colocassem dentro da ambulância… e eu achando que era apenas um quadro de cansaço e ficaria tudo bem, que tudo voltaria ao normal.
Convivendo com o luto
Lidar com o luto é um processo diário de aprendizado, de memórias. Eu sinto ele ainda tão presente na minha vida, pois, a todo momento, peço respostas, peço aju da, peço para ele me dizer se estou no caminho certo. Ele sempre me falava que não era para a gente se preocupar porque o nosso caminho já estava trilhado. Ele dizia: ‘O nosso caminho sempre dá certo. Se deu algo errado, é porque o caminho é outro.’ E o que eu peço para ele, todos os dias, é para guiar os caminhos meu e da Beatriz.
Quando estava próximo de completar um mês de falecimento, eu voltei a trabalhar, precisa voltar à rotina e ocupar a cabeça. Tenho uma janela grande no meu consultório com vista para um jardim. Na noite anterior, eu rezei e pedi que ele me desse um sinal se estivesse tudo bem com ele. No dia seguinte, um beija-flor apareceu na minha janela, me olhou e foi embora. Eu nunca tinha visto um naquele jardim. Agora, eu os vejo quase todos os dias. Quase não vou ao cemitério, pois, para mim, ele não está lá. Sua alma, seu espírito está vivo, está aqui. A gente aprende a ver respostas onde não imaginaríamos, é um processo diário.
Escrever sobre o luto é uma forma de desabafo. Nunca fui de postar ou escrever, mas quando soube que muitas pessoas queriam notícias nossas, queriam saber como estávamos, comecei a compartilhar sobre o processo que estávamos passando. Na hora em que eu sento para escrever, sai da alma. Com isso, novas pessoas foram chegando e fui descobrindo o tanto de mulheres e famílias que passaram por situações semelhantes. Isso me ajudou muito. Somos obrigados a aprender a conviver com o luto. É também um choque de realidade para quem fica — entendemos que a vida é curta, e tudo pode acontecer em um piscar de olhos.
Perdi Rodrigo no dia 8 de janeiro e perdi o bebê que estava esperando no dia 31. Então, janeiro de 2024 foi o mês em que perdi duas das coisas mais valiosas da minha vida — meu marido e um filho. Hoje, somos só eu e Beatriz. Então, o que posso falar para as pessoas que passam pela perda é que a vida continua. Precisamos ser fortes, corajosos e seguir com os nossos sonhos. Eu voltei a correr — a corrida tem sido uma terapia na minha vida. No ano passado, fiz a meia maratona de Buenos Aires, levo minha filha para todas as corridas. É um passeio e também uma forma de lembrar do que a gente gostava de fazer — Rodrigo e eu viajávamos muito. Todas as vezes em que conseguimos, nós viajamos, e essas memórias vão ficar para sempre.
Sei que, daqui a alguns anos, Beatriz não vai lembrar de muitas coisas. Quando ele partiu, ela tinha acabado de fazer 4 anos, então, estou montando álbuns de fotos para que a memória do pai fique sempre muito presente na vida dela. O corpo deixa de estar com a gente, mas tenho certeza que a alma vai sempre vai estar por perto. O mundo continua, a vida continua.”
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