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1 May 2025, Thu


Otávio Frias Filho – Acervo Folha

Nos últimos dias foram divulgados trabalhos relevantes sobre a participação da Folha na ditadura. Dois artigos importantes relataram as primeiras tentativas de Otávio Frias de se livrar do jugo militar e ocupar um espaço de mercado que ele antevira como promissor: a do leitor progressista.

Relato importante foi feito por Rubens Glasberg.

Otávio, Otavinho, Caldeira e o coronel Erasmo – https://iclnoticias.com.br/otavio-otavinho-caldeira-e-o-coronel-erasmo/

E também por Beatriz Kushnir

Participei – meio que a contragosto – do momento de corte, quando a Folha se livrou dos últimos resquícios da ditadura, e se transformou no jornal mais influente do país pelos anos seguintes, até perder o vigor.

Na época, montou um enorme passaralho, demitiu Antonio Aggio – o policial que comandava a Folha da Tarde – e deu início à era Otávio Frias Filho.

Por partes.

Fui para a Folha em meados de 1984. Sai da Veja em 1979, fui para o Jornal da Tarde. Lá, criei o Jornal do Carro e o Seu Dinheiro. Mesmo com resultados vitoriosos, não consegui emplacar mais projetos. Decidi, então, ir para a Folha.

Lá, lancei a seção Dinheiro Vivo e acelerei a campanha em favor dos mutuários, contra os reajustes do BNH, que acabou alcançando repercussão nacional. O jornal montou seus primeiros comerciais comigo, ensinando as contas do BNH. Depois, uma campanha para que aposentados conseguissem se ressarcir, na Justiça, de um golpe que tinha sido aplicado neles por Francisco Dornelles, Secretário da Receita Federal.

Em função disso, e de algumas reportagens de impacto – como uma sobre as disputas no Comind (Banco do Commércio e Indústria de São Paulo) acabei recebendo um convite incômodo – que me foi transmitido por Carlos Eduardo Lins da Silva, em nome de Otávio Filho.

O velho Otávio decidiu reassumir novamente o comando formal da Folha, colocando o filho como diretor responsável. Mas a condição do filho era a de que eu assumisse a Secretaria de Redação do jornal. Havia dois secretários, um de produção, outro de edição. O de edição era Caio Túlio Costa. 

No princípio recusei. Já tinha embalado na Dinheiro Vivo e detestava o clima de redação. Além disso, assumira uma diretoria do Sindicato dos Jornalistas, em uma chapa que reuniu a esquerda independente com o PT. Também eram membros do sindicato Ricardo Kotscho e Joelmir Betting. Otavinho bateu pé, ficou de arrumar repórteres para me ajudar na Dinheiro Vivo, e não tive como recusar.

Quando fomos falar com Frias, ele mencionou a necessidade de eu pedir demissão do sindicato. Consultei os colegas de diretoria do Sindicato, entusiasmados com a possibilidade de ter alguém do grupo na diretoria, contrabalançando a influência que o Partidão tinha em O Globo. Mas dizendo que eu não deveria pedir demissão do sindicato. Como um bom soldado, não pedi.

A Folha ensaiava os primeiros voos contra a ditadura, mas ainda de forma acanhada. A cada 15 dias, o Secretário de Produção fechava o jornal de domingo. No meu primeiro fechamento, impulsivo, diria até imprudente, avancei muito além das chinelas.  Veja tinha soltado uma entrevista de Página Amarela com Golbery do Couto e Silva, assinado por Elio Gaspari.

Desde a eleição de Figueiredo, Gaspari tinha se tornado o principal cabo eleitoral da ditadura junto à imprensa. Na campanha de Figueiredo, vendeu a versão de que Figueiredo era um “intelectual”, grande especialista em matemática.

Depois, toda semana recorria a altas fontes do Planalto para passar recados através da Veja. E foi o editor da capa infame que explorou os encontros clandestinos de um deputado da oposição com a esposa de um senador da oposição. O encontro foi gravado pelo SNI, que era o dono oculto de um motel em Brasília e virou capa da Veja.

Agora, com o governo fazendo água, e crescendo a campanha de Tancredo Neves para a presidência, Golbery tentava lançar Paulo Maluf. Como as declarações em off não tinham mais impacto, Golbery saiu das sombras para uma entrevista em que aparecia de carne e osso. 

Decidi por conta própria, no meu primeiro fechamento, rebater a entrevista da Veja. Para ilustrar a matéria encomendei uma charge em que aparecia alguém pequeno, mas projetando uma enorme sombra. Foi uma página de pancadaria na entrevista, em Golbery e no Gaspari

Na segunda-feira, os dois Otávios me chamaram para conversar. Foi uma conversa educada, no qual os dois – com toda razão – disseram que tinham que ser consultados em temas de tamanha gravidade. Fiz minha autocrítica, disse que tinha sido impulsivo e eles estavam cobertos de razão.

Mas, porém, contudo, todavia, o jornal recebera uma enchente de telegramas saudando a matéria. O público que Frias sempre perseguiu – o leitor mais progressista, para fazer contraponto ao público mais conservador do Estadão – saía da toca e saudava o jornal que nascia.

Na conversa, fiz ver aos Frias que a repercussão da matéria mostrava que a Folha já pertencia ao primeiro time da imprensa, nada devendo, em repercussão, ao Estadão e à Veja – até então o veículo de maior peso editorial da imprensa.

Pouco tempo depois, estourou o passaralho. Foi um dos grandes passaralhos da imprensa. Apenas Aloysio Biondi – editor de Economia -e eu ficamos contra o tamanho da dispensa. Nas reuniões com Frias, e do Conselho Editorial, alertava que de nada adiantaria substituir dezenas de jornalistas por outros, melhores, se destruísse a cultura interna do jornal.

A redação sabia de minha posição.

Mas no dia do passaralho, os jornalistas rumaram para a sede do sindicato. Na sala Vladimir Herzog, o homem do DOPS – Antonio Aggio, o representante do DOPS -, também demitido, fez um discurso pedindo minha cabeça, como diretor do Sindicato. 

Esses movimentos de torcida organizada são terríveis. Mesmo amigos meus temeram sair em minha defesa. A única voz lembrando que eu tinha sido contra o passaralho foi de Cecília Pires, uma amiga querida que nunca mais revi.

Fiquei mais uma semana naquele tiroteio. Cheguei a perder uns cinco quilos. Já tinha passado outros momentos assim, como na greve da Abril, mas do lado dos grevistas. Do outro lado da linha, era terrível. Entrava na redação, amigos evitavam até me cumprimentar.

Mas jamais me esqueço de uma repórter, Jane Soares, cujo marido Dirceu Soares havia sido demitido. Numa das vezes, atravessou o corredor da redação e me deu um baita abraço de reconhecimento pela minha resistência. Em toda minha vida profissional, jamais recebi solidariedade igual.

Uma semana depois do episódio, fiz o que prometera para mim desde o início. Numa segunda feira fui a uma reunião do Sindicato, pedi demissão. Depois, fui para a Folha e também pedi demissão. E voltei para minha coluna Dinheiro Vivo.

Nos meses seguintes, Otavinho e os novos jornalistas que ele levou, promoveram a revolução da Folha, trazendo um novo modo de vida para o jornal.

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Otávio Frias Filho – Acervo Folha

Nos últimos dias foram divulgados trabalhos relevantes sobre a participação da Folha na ditadura. Dois artigos importantes relataram as primeiras tentativas de Otávio Frias de se livrar do jugo militar e ocupar um espaço de mercado que ele antevira como promissor: a do leitor progressista.

Relato importante foi feito por Rubens Glasberg.

Otávio, Otavinho, Caldeira e o coronel Erasmo – https://iclnoticias.com.br/otavio-otavinho-caldeira-e-o-coronel-erasmo/

E também por Beatriz Kushnir

Participei – meio que a contragosto – do momento de corte, quando a Folha se livrou dos últimos resquícios da ditadura, e se transformou no jornal mais influente do país pelos anos seguintes, até perder o vigor.

Na época, montou um enorme passaralho, demitiu Antonio Aggio – o policial que comandava a Folha da Tarde – e deu início à era Otávio Frias Filho.

Por partes.

Fui para a Folha em meados de 1984. Sai da Veja em 1979, fui para o Jornal da Tarde. Lá, criei o Jornal do Carro e o Seu Dinheiro. Mesmo com resultados vitoriosos, não consegui emplacar mais projetos. Decidi, então, ir para a Folha.

Lá, lancei a seção Dinheiro Vivo e acelerei a campanha em favor dos mutuários, contra os reajustes do BNH, que acabou alcançando repercussão nacional. O jornal montou seus primeiros comerciais comigo, ensinando as contas do BNH. Depois, uma campanha para que aposentados conseguissem se ressarcir, na Justiça, de um golpe que tinha sido aplicado neles por Francisco Dornelles, Secretário da Receita Federal.

Em função disso, e de algumas reportagens de impacto – como uma sobre as disputas no Comind (Banco do Commércio e Indústria de São Paulo) acabei recebendo um convite incômodo – que me foi transmitido por Carlos Eduardo Lins da Silva, em nome de Otávio Filho.

O velho Otávio decidiu reassumir novamente o comando formal da Folha, colocando o filho como diretor responsável. Mas a condição do filho era a de que eu assumisse a Secretaria de Redação do jornal. Havia dois secretários, um de produção, outro de edição. O de edição era Caio Túlio Costa. 

No princípio recusei. Já tinha embalado na Dinheiro Vivo e detestava o clima de redação. Além disso, assumira uma diretoria do Sindicato dos Jornalistas, em uma chapa que reuniu a esquerda independente com o PT. Também eram membros do sindicato Ricardo Kotscho e Joelmir Betting. Otavinho bateu pé, ficou de arrumar repórteres para me ajudar na Dinheiro Vivo, e não tive como recusar.

Quando fomos falar com Frias, ele mencionou a necessidade de eu pedir demissão do sindicato. Consultei os colegas de diretoria do Sindicato, entusiasmados com a possibilidade de ter alguém do grupo na diretoria, contrabalançando a influência que o Partidão tinha em O Globo. Mas dizendo que eu não deveria pedir demissão do sindicato. Como um bom soldado, não pedi.

A Folha ensaiava os primeiros voos contra a ditadura, mas ainda de forma acanhada. A cada 15 dias, o Secretário de Produção fechava o jornal de domingo. No meu primeiro fechamento, impulsivo, diria até imprudente, avancei muito além das chinelas.  Veja tinha soltado uma entrevista de Página Amarela com Golbery do Couto e Silva, assinado por Elio Gaspari.

Desde a eleição de Figueiredo, Gaspari tinha se tornado o principal cabo eleitoral da ditadura junto à imprensa. Na campanha de Figueiredo, vendeu a versão de que Figueiredo era um “intelectual”, grande especialista em matemática.

Depois, toda semana recorria a altas fontes do Planalto para passar recados através da Veja. E foi o editor da capa infame que explorou os encontros clandestinos de um deputado da oposição com a esposa de um senador da oposição. O encontro foi gravado pelo SNI, que era o dono oculto de um motel em Brasília e virou capa da Veja.

Agora, com o governo fazendo água, e crescendo a campanha de Tancredo Neves para a presidência, Golbery tentava lançar Paulo Maluf. Como as declarações em off não tinham mais impacto, Golbery saiu das sombras para uma entrevista em que aparecia de carne e osso. 

Decidi por conta própria, no meu primeiro fechamento, rebater a entrevista da Veja. Para ilustrar a matéria encomendei uma charge em que aparecia alguém pequeno, mas projetando uma enorme sombra. Foi uma página de pancadaria na entrevista, em Golbery e no Gaspari

Na segunda-feira, os dois Otávios me chamaram para conversar. Foi uma conversa educada, no qual os dois – com toda razão – disseram que tinham que ser consultados em temas de tamanha gravidade. Fiz minha autocrítica, disse que tinha sido impulsivo e eles estavam cobertos de razão.

Mas, porém, contudo, todavia, o jornal recebera uma enchente de telegramas saudando a matéria. O público que Frias sempre perseguiu – o leitor mais progressista, para fazer contraponto ao público mais conservador do Estadão – saía da toca e saudava o jornal que nascia.

Na conversa, fiz ver aos Frias que a repercussão da matéria mostrava que a Folha já pertencia ao primeiro time da imprensa, nada devendo, em repercussão, ao Estadão e à Veja – até então o veículo de maior peso editorial da imprensa.

Pouco tempo depois, estourou o passaralho. Foi um dos grandes passaralhos da imprensa. Apenas Aloysio Biondi – editor de Economia -e eu ficamos contra o tamanho da dispensa. Nas reuniões com Frias, e do Conselho Editorial, alertava que de nada adiantaria substituir dezenas de jornalistas por outros, melhores, se destruísse a cultura interna do jornal.

A redação sabia de minha posição.

Mas no dia do passaralho, os jornalistas rumaram para a sede do sindicato. Na sala Vladimir Herzog, o homem do DOPS – Antonio Aggio, o representante do DOPS -, também demitido, fez um discurso pedindo minha cabeça, como diretor do Sindicato. 

Esses movimentos de torcida organizada são terríveis. Mesmo amigos meus temeram sair em minha defesa. A única voz lembrando que eu tinha sido contra o passaralho foi de Cecília Pires, uma amiga querida que nunca mais revi.

Fiquei mais uma semana naquele tiroteio. Cheguei a perder uns cinco quilos. Já tinha passado outros momentos assim, como na greve da Abril, mas do lado dos grevistas. Do outro lado da linha, era terrível. Entrava na redação, amigos evitavam até me cumprimentar.

Mas jamais me esqueço de uma repórter, Jane Soares, cujo marido Dirceu Soares havia sido demitido. Numa das vezes, atravessou o corredor da redação e me deu um baita abraço de reconhecimento pela minha resistência. Em toda minha vida profissional, jamais recebi solidariedade igual.

Uma semana depois do episódio, fiz o que prometera para mim desde o início. Numa segunda feira fui a uma reunião do Sindicato, pedi demissão. Depois, fui para a Folha e também pedi demissão. E voltei para minha coluna Dinheiro Vivo.

Nos meses seguintes, Otavinho e os novos jornalistas que ele levou, promoveram a revolução da Folha, trazendo um novo modo de vida para o jornal.

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