‘Pra Sempre Paquitas’: Paquitas continuam racistas? – 04/10/2024 – Gustavo Alonso

Estreou no último dia 16 o documentário “Pra sempre Paquitas” no Globoplay. Em formato de série, a obra foi idealizada pelas ex-paquitas Ana Paula Guimarães e Tatiana Maranhão, que foram assistentes da apresentadora Xuxa ainda nos anos 80. A série documental ilustra os limites do dizível no canal de streaming da Globo.

Com direção de Ivo Filho, o documentário tem méritos que vêm faltando às produções da Globoplay. “Pra sempre Paquitas” inteligentemente fugiu do tom conciliatório das recentes séries sobre Jô Soares, Galvão Bueno e a dupla Sullivan e Massadas e teve como guia narrativa “Xuxa, o documentário”, no qual os diretores colocaram a apresentadora frente a frente à sua renegada mentora, Marlene Mattos. Partindo deste mote, um grupo de Paquitas demitidas em 1995 confrontaram Xuxa, já que Marlene não quis participar do filme.

A decisão foi acertada em muitos aspectos. Especialmente porque fica visível que Xuxa não pode ser inocentada dos traumas das meninas, que hoje são senhoras de 40 e 50 anos. Havia muita felicidade simulada nos corredores da Globo, e também muita gordofobia, racismo, assédio moral e violências físicas e psicológicas por parte de Marlene que eram endossadas pelo silêncio de Xuxa, que faz o mea-culpa e também se vitimiza.

O mais problemático do documentário “Pra sempre Paquitas” é que, fiéis à rainha, elas compram a versão de que a vilã da história é Marlene Mattos. Essa é a mesma tese do documentário autorizado sobre Xuxa, que simplifica sua história e a retrata como ingênua, enquanto a mentora fica tachada como uma crápula. O jornalista Leão Lobo apontou esta falha: “Acho que documentário deveria ser para assunto mais sérios, ir fundo nas coisas, não essa bobagem de autopromoção”.

Não é difícil enxergar que Marlene nunca foi santa. Mas a criação de bodes expiatórios serve sempre a algo mais complexo. Em nenhum dos dois documentários, o sobre as Paquitas e aquele sobre Xuxa, se esboça a responsabilização empresarial pelos danos vividos. É tudo culpa de um indivíduo, como se Marlene também não estivesse premida pelas demandas televisivas do seu tempo.

Como apontou o colunista Thiago Stivaletti em recente coluna nesta Folha, o documentário poderia ter ouvido Boni, o todo-poderoso da emissora na época, para relativizar o poder supremo de Marlene.

Mesmo querendo superar as lacunas do passado, o documentário segue reproduzindo seus males. Em diversos momentos é demarcado que a escolha das paquitas loiras obedecia a critérios racistas. De quem? Marlene, claro.

O roteiro esforça-se várias vezes em mostrar que duas brechas antirracistas foram conquistadas à revelia da algoz. A primeira brecha foi uma paquita negra americana que ninguém no Brasil conheceu. A segunda foi Adriana Bombom, assistente de palco dos anos 90 que todas as assistentes de Xuxa se esforçam em reconhecer como paquita. Mas quando o documentário foi lançado, nem Bombom nem a americana estiveram nas festas de divulgação como paquitas.

No caso de Marlene a lógica racista foi ainda mais dura. Maranhense de nascimento, Marlene Mattos carrega a cor e a cara de sua gente. Espanta que, no fim das contas, a vilã continue sendo a mulher miscigenada, negra e indígena, bissexual assumida, enquanto as loiras posem de meras vítimas da megera.


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