O que mudou desde a 1ª eleição municipal no Rio após a ditadura

O ano era 1985. A cidade vivia a febre das discotecas. Points como Help, Crepúsculo de Cubatão (Copacabana), Mamão com Açúcar (Lagoa) e Metrópolis (São Conrado) atraíam a moçada em um Rio com menos engarrafamentos, apesar de sequer haver vias expressas como as linhas Vermelha e Amarela. Não existia Linha 2 do metrô, e a conexão sobre trilhos com a Barra só seria realidade três décadas depois. “De volta para o futuro” lotava os cinemas de rua — as telas não haviam migrado para os shoppings, que eram apenas quatro. Hoje, são 40 e quase não há cinemas fora deles.

Foi nesse cenário, ainda sem internet e celular, que o carioca votou pela primeira vez para prefeito. Das 11 disputas desde 1985, incluindo a marcada para hoje, foi a que teve mais aspirantes ao Palácio da Cidade: eram 20 candidatos.

— Era uma cidade diferente. Depredações de equipamentos públicos e vandalismos contra ônibus eram raros e ocorriam de forma isolada, como em protestos contra reajustes de passagens. Não precisávamos repor fios de iluminação pública, lixeiras, sinais de trânsito por furto — lembrou Luiz Edmundo Costa Leite, que foi secretário de Obras e Serviços Públicos na gestão de Roberto Saturnino Braga (PDT), vencedor daquela disputa, que morreu quinta-feira passada, aos 93 anos.

O crescimento de favelas já era uma preocupação. Ao contrário de hoje, elas sequer constavam dos mapas da prefeitura, o que só iria acontecer nos anos 1990. Dados de 1980 mostram que 718,2 mil pessoas moravam em 367 comunidades. Em 2021, a prefeitura mapeou 1.074 favelas. O IBGE ainda não divulgou dados consolidados da contagem de 2022. Em alguns casos, no entanto, já é possível comparar os cenários de 1980 e 2022. Em 42 anos, a população da Rocinha cresceu 103,6%, passando de 32.996 para 67.199 moradores.

O Complexo do Alemão visto do alto já com muitas casas em 1985 — Foto: Agência O Globo
O Complexo do Alemão visto do alto já com muitas casas em 1985 — Foto: Agência O Globo

Mesmo com o último Censo apontando redução da população do Complexo do Alemão nos últimos 12 anos, o conjunto de favelas cresceu 64,2% entre 1980 e 2022 (de 33 mil habitantes para 54.202).

— Um dos projetos do Saturnino para tentar limitar as favelas foi a urbanização do Pavão-Pavãozinho (em Copacabana) com recursos do Banco Mundial. Considero uma prévia do programa Favela-Bairro, implantado a partir dos anos 1990 — acrescentou Luiz Edmundo.

Como no pleito atual, a campanha ocorreu em meio a um aumento da sensação de insegurança e a candidatos que defendem maior participação da prefeitura para evitar crimes. Em 1985, a violência já era um desafio: a capital registrou 1.735 homicídios dolosos e 625 tentativas de homicídio, de acordo com anuários oficiais. Em 2023, houve menos assassinatos (1.012), mas foram 885 tentativas de homicídio.

Naquele ano, um dos casos de maior repercussão foi o assassinato em junho da estudante Mônica Granuzzo, de 14 anos, no apartamento do modelo Ricardo Peixoto Sampaio, na Lagoa. Em 1990, Ricardo, que já estava preso, foi condenado a 17 anos e meio de prisão.

— Seja em 1985 ou atualmente, os temas que sempre mobilizaram o eleitor são os mesmos: segurança, saúde e educação. Hoje, o debate é se a Guarda Municipal deve ou não trabalhar armada. Na época, os candidatos discutiam se o Rio deveria ter ou não esse serviço. O Saturnino era contra por querer investir mais na infraestrutura da cidade. No fim, a Guarda Municipal só seria criada por Cesar Maia em sua primeira gestão (1993-1996) — explicou o cientista político Paulo Baía.

Baía lembra que o tema segurança levaria Moreira Franco a vencer a eleição para governador em 1986, com a promessa de acabar com a violência em seis meses, assim como impulsionou a vitória do próprio Cesar Maia em 1992 para a prefeitura. Às vésperas daquela eleição municipal, houve arrastões na orla da Zona Sul, e Cesar disse que, se fosse fosse eleito, chamaria o Exército para resolver o problema.

Na educação, Saturnino teve um grande trunfo por meio de seu principal aliado, o então governador Leonel Brizola. Em 1985, a morte do presidente eleito Tancredo Neves causou grande comoção no país. Ele havia acabado de ser escolhido pelo Colégio Eleitoral, encerrando o ciclo de governos militares iniciado com o golpe de 1964.

O principal projeto de Brizola era a implantação de 500 Cieps, com aulas em tempo integral — os prédios, desenhados pelo arquiteto Oscar Niemeyer, foram erguidos, mas o programa educacional foi desvirtuado ao longo dos anos. O primeiro foi inaugurado em maio, antes da eleição municipal, no Catete, na Zona Sul do Rio, e ganhou o nome de Tancredo Neves.

— Apesar das críticas, comparativamente, os serviços públicos de saúde nos anos 1980 eram melhores do que hoje. Uma das explicações é que a rede federal da cidade, até hoje a maior do país, tinha um bom financiamento. O Sistema Único de Saúde (criado em 1990) descentralizou o repasse de verbas às cidades. Mas, no Rio, isso criou problemas na rede federal, que perdeu recursos — explicou a médica Lígia Bahia, especializada em saúde pública.

O primeiro Ciep, que ganhou o nome de Tancredo Neves, em 1985 — Foto: Agência O Globo
O primeiro Ciep, que ganhou o nome de Tancredo Neves, em 1985 — Foto: Agência O Globo

Nesse Rio do passado, o réveillon de Copacabana estava longe de ser a megafesta que, a partir de meados dos anos 1990, começou a atrair milhares de turistas. Havia apenas alguns fogos na areia e a cascata na fachada do antigo Hotel Le Méridien, no Leme, enquanto praticantes de religiões de matrizes africanas faziam oferendas à beira-mar. Após um acidente com os fogos na chegada de 2021, o show pirotécnico passou a ser feito em balsas. Hoje, além de disparados do mar, os fogos estão menos barulhentos para proteger pets e grupos vulneráveis. A percepção do turista sobre a cidade também mudou.

— O Rio tinha uma imagem de balneário romântico. Os americanos vinham para cá de bermudão e máquina fotográfica a tiracolo. Tínhamos várias casas noturnas com música ao vivo frequentadas pelos visitantes. Hoje, a cidade está vazia à noite (devido à violência) — diz o presidente do Hotéis Rio, Alfredo Lopes.

Antes de Saturnino, a cidade teve cinco prefeitos desde 1975 — ano em que houve a fusão entre os estados do Rio e da Guanabara —, todos nomeados pelos governadores. Isso se explica porque em 1968, durante a ditadura, foi proibida a escolha direta dos gestores de capitais e cidades importantes do ponto de vista da segurança nacional, como Caxias e Volta Redonda. A decisão de promover a eleição direta foi do presidente José Sarney. Antes de 1960, pelo fato de o Rio ser capital federal, seus prefeitos eram nomeados.



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