Políticas públicas exigem planejamento intersetorial – 22/10/2024 – Desigualdades

A primeira matriz de desigualdades sociais no Brasil após a invasão portuguesa foi o racismo. Desta matriz derivam as demais desigualdades. As relações sociais entre portugueses, negros e indígenas foram hierarquizadas, ante a sobreposição da vida branca e europeia. Esta é a pedra angular que fundamenta nossa sociedade.

O racismo é um sistema de opressão que hierarquiza as vidas humanas de acordo com o pertencimento étnico-racial. Trata-se de um sistema que atualizou seu funcionamento até os dias de hoje. Lélia Gonzalez há muito falava sobre interseccionalidade nas opressões sofridas por mulheres negras, sem necessariamente utilizar o termo que foi cunhado anos depois por Kimberlé Crenshaw. O conceito se refere às dinâmicas entre diferentes sistemas de opressão como racismo, sexismo, classismo, capacitismo, entre outros, que acarretam violências e violações de direito de diferentes grupos de pessoas.

Nancy Fraser, por sua vez, traz uma contribuição significativa sobre como a dimensão material da justiça social, que tradicionalmente enfoca debates sobre opressão de classe, não deve ser antagônica à dimensão do reconhecimento, considerando as contribuições e demandas dos diferentes grupos que compõem a sociedade (pessoas negras, mulheres, população LGBTQIA+, pessoas com deficiência, por exemplo).

Já Cida Bento nos mostra que ser branco não é ser neutro. Trata-se também de uma identidade racial. E em nossa sociedade, esta identidade conduz a privilégios em função do racismo, constituindo a branquitude. Um exemplo disso é a demanda e acesso preferencial a espaços de poder cotidianamente por pessoas brancas sem que isso seja rotulado de identitarismo. Em contrapartida, se a demanda vem de pessoas negras, é considerada identitária e divisionista. É como se o identitarismo nunca fosse branco.

Relatórios recentes, como os que foram lançados pela Associação Brasileira de Combate às Desigualdades e pela Rede Nossa São Paulo, desagregam os dados por raça/cor e por sexo, permitindo olhar mais aprofundado sobre as desigualdades. Com isso, temos base, por exemplo, para compreender por que a ideia de que o policiamento nas periferias deve ser mais agressivo do que em bairros “nobres” tem o potencial de agravar a taxa de homicídios de jovens negros (7,5, a cada 100 mil habitantes, em 2022), já muito maior que a de jovens não negros (4,2, em 2022), segundo o DataSUS.

Isto é fundamental para pensar outros modelos de segurança pública, considerando a proposição de políticas públicas intersetoriais (envolvendo também educação, saúde, lazer, entre outras áreas) para preservação do direito à vida digna nas periferias.

Este caminho dá mais trabalho de concepção, planejamento e execução de políticas públicas. Mas é o único possível para que elas sejam verdadeiramente universalistas, sem deixar de fora cada grupo social que, no cotidiano, enfrenta diferentes sistemas de opressão interseccionados como obstáculo para o exercício de seus direitos fundamentais.


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