artistas e autoridades se despedem do poeta e filósofo
Morreu, nesta quarta-feira (23), o poeta e filósofo Antonio Cicero (1945-2024), aos 79 anos. Membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) desde 2017, ele recebeu, nos últimos anos, um diagnóstico de Alzheimer e vinha tratando problemas neurológicos decorrentes da doença. A morte do acadêmico aconteceu por meio de procedimento de morte assistida em Zurique, na Suíça, onde ele estava ao lado do marido Marcelo Pies. Desde cedo, colegas das letras e da música foram às redes sociais prestar suas homenagens.
Antonio Cicero escreveu várias letras para canções de sua irmã, a cantora e compositora Marina Lima, sucessos como “Fullgás” e “Virgem”. Na manhã desta quarta-feira, Marina publicou em sua conta no Instagram apenas uma imagem: um laço preto com o nome do irmão e seus anos de nascimento e morte. Nos comentários, ela recebeu o carinho de artistas como Vitor Ramil, Claudio Zoli e Drica Moraes prestaram sua solidariedade.
Atual presidente da ABL e colunista do GLOBO, o jornalista Merval Pereira divulgou um depoimento oficial: “Antonio Cicero é um dos maiores poetas de sua geração. A escolha da morte assistida demonstra sua fortaleza diante da vida. Preferiu morrer a viver sem poder fazer o que mais gostava: ler, escrever, filosofar. Uma escolha corajosa e coerente com o sentido que via na vida. A ABL programara para o final do ano uma homenagem a ele com um espetáculo em que sua irmã, Marina, cantaria suas músicas. Uma homenagem, agora póstuma, a um grande poeta brasileiro.”
Adriana Calcanhotto, para quem Antonio Cicerto escreveu letras como “Maresia” e “Pelos ares”, também fez um post.
“O mais inteligente, íntegro, nobre e belo. O homem mais livre que já conheci e seu maravilhoso Marcelo, o único à sua altura. Que privilégio conhecê-lo, jantar com ele, compor com ele, ouvir suas ideias, rir com ele e guardá-lo para sempre enquanto durar esse para sempre. Sigo te amando, Cicero, doce príncipe, dorme em paz. Até mais”, escreveu a cantora.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva também prestou sua homenagem.
Em sua conta na rede Blue Sky, ele escreveu: “Hoje nos despedimos do escritor Antônio Cícero, aos 79 anos. Poeta e letrista, Antônio era imortal da Academia Brasileira de Letras e muitos conhecem seus poemas pelas canções com a sua irmã, a cantora Marina Lima. Meus sentimentos ao seu marido, sua irmã e todos os amigos e admiradores.”
Francisco Bosco, ensaísta, integrante do programa “Papo de segunda” (GNT) e, assim como Antonio Cicero, autor de letras de música, também foi às redes.
Em post no Instagram, Francisco Bosco escreveu: “Morreu hoje, por eutanásia, na Suíça, o enorme poeta, filósofo e letrista Antonio Cicero. Tive a honra de ser seu amigo por mais de 20 anos, amizade que herdei de meu pai, @joaoboscoreal . Estou devastado, mas, como sempre nessas horas, é preciso agradecer à vida por ter nos presenteado com uma figura humana tão maravilhosa. Cicero era muito culto (lia grego arcaico e clássico, latim, entre outras línguas modernas). Escreveu livros brilhantes de filosofia, como “O mundo desde o fim”, “Finalidades sem fim” e “Poesia e filosofia” (era um kantiano, mas um racionalista lírico: último racionalista e último romântico). Escreveu livros de poemas belíssimos, como “Guardar”, “A cidade e os livros” e “Porventura”. Escreveu ainda um conjunto de letras de canções que são clássicos do nosso cancioneiro contemporâneo, como “À francesa”, “O último romântico”, entre tantas outras, em parceria com Marina Lima, Adriana Calcanhotto, Lulu Santos etc. Com meu pai e Waly Salomão fez um dos grandes discos dos anos 90, “Zona de fronteira”, que sei de cor. Cicero foi um grande amigo e um mestre pra mim. Sua carta de despedida desse mundo – o único que há para um ateu como ele, e eu – é das coisas mais bonitas e afirmativas que já li. Vou guardá-la no fundo do coração, onde guardo tudo o que aprendi com ele. Obrigado por tudo, querido amigo. Minha solidariedade ao Marcelo, seu companheiro de tantas décadas, muso de tantos poemas, à sua irmã, Marina Lima, e a todos os amigos que, como eu nessa sala de embarque de aeroporto, devem estar aos prantos, porém gratos à vida por terem desfrutado de tão divina figura.”
O ator, roteirista e também Gregorio Duvivier também prestou sua homenagem, citando o poema “Guardar”, que circulou nas redes nesta quarta-feira: “Antonio Cícero – dia de guardá-lo, guardar seus versos, olhá-los, fitá-los. Pensando nele, e nos versos que a gente vai guardar pra sempre”, escreveu Duvivier.
Richard David Court, mais conhecido como Ritchie, músico inglês que dominava as paradas do Brasil na época em que Cicero e Marina emplacavam vários hits, também publicou um depoimento.
“R.I.P. Antonio Cicero, poeta, escritor e meu parceiro na música “Loucura e Mágica”. Tive a grande felicidade de recebê-lo no meu show no Arena Jockey (RJ), no final do ano passado e ele me ligou no dia seguinte, alegre e lúcido, para me parabenizar. Meus profundos sentimentos à familia e aos amigos próximos”, escreveu Ritchie.
Produtor musical, escritor e colunista do GLOBO, Nelson Motta fez um texto no Instagram ressaltando as várias faces do amigo e lembrando também outros que se foram recentemente, como Sérgio Mendes e Washinton Olivetto.
“Mais uma dor no coração, já machucado pela falta de Sérgio Mendes e Washington Olivetto, com a partida de Antonio Cicero, querido amigo e imenso poeta e letrista, um filósofo full time e fullgas, com humor e profundidade. Um baita intelectual como não se produz mais, um cara que viveu de sua cabeça e fez história com ela. Foi muito esforço em se formar em filosofia nas universidades de Londres e de Georgetown, Washington. Aprender grego, latim. Cicero era um erudito. Mas um erudito pop”, escreveu Motta.
“A primeira vez que me encantei com ele foi com a letra de “O lado quente do ser” e musica da irmã Marina Lima, gravada por Bethania. Aquela letra dizia só dizia verdades, segredos e belezas sobre a alma feminina, como raras vezes havia visto, talvez em Chico Buarque ou Joyce:
“Eu gosto de ser mulher,
que mostra mais o que sente,
o lado quente do ser,
e canta mais docemente.”
Com a força do sangue e do mutuo amor e admiração, Marina e Cicero foram parceiros em muitas canções, algumas feitas especialmente para ela cantar, verbalizando os sentimentos dela com a visão dele. Essa integração de seus mundos artísticos e poéticos se tornou uma das grandes parcerias da música brasileira, enriquecida pelo contraste e a harmonia de serem os dois gays, dando a situações e temas visões masculina e feminina nas suas músicas libertárias.
O que mais me impressiona é sua coragem e dignidade de escolher partir quando não tinha mais nenhum futuro e nem passado, destruído pelo Alzheimer. Um dos mais fundamentais direitos humanos deve ser escolher quando ir, sem ter que se suicidar, partindo em paz e serenidade com a eutanásia, feliz com sua escolha e com a vida intensa e a obra imensa que produziu.”
“A perda de Antonio Cicero nos deixa um vazio. Raros, em qualquer cultura, conseguem conjugar o rigor intelectual de um filósofo brilhante com a sensibilidade aguçada de um poeta de primeira linha. Some-se a isso a dignidade moral de um ser humano exemplar. Para não falar no carinho e saudade com que os amigos vamos lembrá-lo. Sempre aprendi muito com ele e vou sentir muita falta.”
“É uma perda grande para a cultura brasileira e a Academia. Sua sensibilidade e finura intelectual aliavam-se na poesia e na filosofia de modo admirável, envoltas numa permanente elegância de atitudes e expressão.”
“Recebo com profundo pesar a notícia de falecimento de Antônio Cícero. É como se a própria poesia resolvesse deixar-nos órfãos. Resta-nos cultivar sua obra com permanente leitura.”
Godofredo de Oliveira Neto
“Estou devastado. Não faz tanto tempo assim estivemos juntos. Não quero acreditar. Para uma decisão tão corajosa quanto drástica houve muita força intelectual, psicológica e força afetuosa , qualidades que ele tinha de sobra.”
“Antonio Cicero escolheu morrer como viveu Toda sua vida é um exemplo de dignidade e liberdade. Morreu dignamente exercendo sua última liberdade. Esse doce príncipe, nosso poeta tão amado , era belo demais para suportar tanto horror , perder a lembrança de si mesmo , do mundo e pessoas que tanto amou . Éramos tão amigos , que vazio , que tristeza imensa. Mas que homem de coragem !”
“Antônio Cicero morreu como viveu: com elegância, independência, ética, autonomia. A poesia e a filosofia são atividades teoricamente opostas, mas Cícero as combinava com sua profundidade, afeto e sensibilidade únicos. Vai deixar muitas saudades mas uma imensa memória também.
Antonio Cicero escolheu morrer como viveu. Toda sua vida é um exemplo de dignidade e liberdade. Morreu dignamente exercendo sua última liberdade. Esse doce príncipe, nosso poeta tão amado , era belo demais para suportar tanto horror , perder a lembrança de si mesmo , do mundo e pessoas que tanto amou . Éramos tão amigos , que vazio , que tristeza imensa. Mas que homem de coragem !
Não consigo deixar de cantar Fulgás – poesia de Cícero musicada por Marina: “Noites de frio – Dia não há – E um mundo estranho – Pra me segurar – Então onde quer que você vá – É lá, que eu vou estar”
Dele ficam só lembranças boas. Fique em paz, amigo Antônio Cícero. Saudades.
Estou chocado, mas conformado diante da sua decisão, marcada pela coragem de poucos. Descansa em paz , Amigo!
“Antonio já está fazendo falta por aqui, mas foi tudo como ele quis. Me empenhei muito pela entrada dele na Academia Brasileira de Letras, pois sabia da grande contribuição que ele daria como poeta, filósofo e letrista, mas principalmente pelo ser humano que foi. Muito íntegro, ético e sempre solidário. Amparado numa vasta cultura, uma presença constante e sempre atento. Vamos manter esse recital – Marina Lima canta Antonio Cicero, programado para o dia 12 de dezembro, encerrando o ano na ABL, que já estava marcado com ele em vida, para celebrar seu poderoso legado.”
“Fim digno de uma vida digna. Respeito em silêncio.”
Antonio Cícero tinha uma extrema clareza e luminosidade em sua poesia , sua filosofia, sua vida e amizades obedeciam esse padrão. a precisão, a entrega destemida, a elegância radical. O poeta filósofo mais importante de sua geração. Desde que soube de sua morte, estou lendo seus poemas sem conseguir parar. E percebo que são poemas novos a cada leitura. Ele ficará pra sempre.
“Antônio Cícero, uma pessoa de uma sabedoria, de uma coragem que surpreende a quase todos que conviveram com ele, mas que revela a pessoa maravilhosa, o poeta que fez a travessia e que alcançou aquele lugar que Nêgo Bispo diz que a vida é começo, meio e começo. Então começa de novo, poeta, a gente está te vendo.”
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