Imortal da AcademiaBrasileira de Letras, poeta, filósofo e compositor de sucesso da MPB, Antonio Cicero optou pelo suicídio assistido na Suíça, onde estava desde a semana passada, acompanhado pelo marido, Marcelo Pires. Cícero tinha 79 anos, fora diagnosticado com Alzheimer e deixou uma carta de despedida para os amigos.
- Txai Suruí lança livro de poesia: ‘O coração é que precisa ser tocado’
- Dramaturgo, político e jornalista: Mostra em SP destaca facetas menos conhecidas de Oswald de Andrade
“Minha vida se tornou insuportável. Estou sofrendo de Alzheimer. Assim, não me lembro sequer de algumas coisas que ocorreram não apenas no passado remoto, mas mesmo de coisas que ocorreram ontem”, escreveu Cícero, acrescentando que não se esquecera dos “amigos mais íntimos”.
“Não consigo mais escrever bons poemas nem bons ensaios de filosofia. Não consigo me concentrar nem mesmo para ler, que era a coisa de que eu mais gostava no mundo. Apesar de tudo isso, ainda estou lúcido bastante para reconhecer minha terrível situação”, segue a carta.
- Vencedor do Nobel: Poemas de Jon Fosse têm como inspiração os segredos e mistérios da neve
“Como sou ateu desde a adolescência, tenho consciência de que quem decide se minha vida vale a pena ou não sou eu mesmo. Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade.”
Num comunicado recebido pela coluna de Lauro Jardim, Pires disse que o marido já havia algum tempo planejava morrer por eutanásia, mas preferiu que ninguém ficasse sabendo. Antes de viajar para a Suíça, Cícero se despediu de Paris.
O poeta se tornou célebre nos anos 1970 ao fazer letras para a irmã, a cantora Marina Lima. É autor de canções como “Fullgás” e “Pra começar”. Publicou as coletâneas poéticas “Guardar” e “A cidade e os livros” e o ensaio “O mundo deste fim”, entre outros livros.
Sua última aparição pública, no Rio, foi em 30 de setembro, no lançamento de um livro do crítico literário Silviano Santiago numa livraria em Ipanema.
Cícero foi cremado e, nesta quinta-feira (24), Pires desembarca no Brasil com suas cinzas.
Leia abaixo a carta de despedida de Antônio Cícero:
Encontro-me na Suíça, prestes a praticar eutanásia. O que ocorre é que minha vida se tornou insuportável. Estou sofrendo de Alzheimer. Assim, não me lembro sequer de algumas coisas que ocorreram não apenas no passado remoto, mas mesmo de coisas que ocorreram ontem.
Exceto os amigos mais íntimos, como vocês, não mais reconheço muitas pessoas que encontro na rua e com as quais já convivi. Não consigo mais escrever bons poemas nem bons ensaios de filosofia. Não consigo me concentrar nem mesmo para ler, que era a coisa de que eu mais gostava no mundo.
Apesar de tudo isso, ainda estou lúcido bastante para reconhecer minha terrível situação. A convivência com vocês, meus amigos, era uma das coisas — senão a coisa — mais importante da minha vida. Hoje, do jeito em que me encontro, fico até com vergonha de reencontrá-los. Pois bem, como sou ateu desde a adolescência, tenho consciência de que quem decide se minha vida vale a pena ou não sou eu mesmo.
Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade.
Eu os amo muito e lhes envio muitos beijos e abraços!”