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12 Mar 2025, Wed


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CryptoGate: quais são os impactos para Milei e seu mandato?

por José Victor Ferro

Há mais uma semana, foi revelado na Argentina o escândalo que ficou conhecido como “cryptogate”. O episódio teve início quando o presidente argentino, Javier Milei, na sexta-feira passada (14/02), divulgou um tweet promovendo o criptoativo denominado $LIBRA. No post, Milei vinculava diretamente o ativo ao sucesso da economia argentina, misturando ufanismo com seu utopismo libertário ao declarar:

“A Argentina liberal está crescendo!!! Este projeto privado será dedicado a incentivar o crescimento da economia argentina, financiando pequenos negócios e empreendimento argentinos. O mundo quer investir na Argentina. $LIBRA”.

Com a visibilidade gerada pelo tweet presidencial, a demanda pelo ativo disparou em poucas horas. Cerca de 40 mil compradores adquiriram $LIBRA, elevando sua capitalização de mercado para impressionantes US$ 4 bilhões. No entanto, com a mesma rapidez com que valorizou, o criptoativo entrou em colapso. Observando a alta demanda, grandes detentores de $LIBRA liquidaram suas posições no mercado, totalizando um volume de US$ 90 milhões. Como consequência, o preço despencou de US$ 5,54 para US$ 0,96 por unidade em poucas horas.

A principal suspeita é que tenha ocorrido um esquema conhecido como “rug-pull” – ou “puxada de tapete”, em inglês. Ou seja, há indícios de que o presidente argentino possa ter se envolvido em uma fraude cujo objetivo era inflacionar artificialmente o valor do criptoativo para que, ao atingir um pico de valorização, fosse vendido, beneficiando apenas um seleto grupo de investidores que possuíam grandes quantidades do ativo.

Dado esse cenário, a grande questão é: quais são as possíveis implicações para o governo de Milei na Argentina?

Política interna

O escândalo dominou as manchetes de todos os grandes veículos de comunicação argentinos, independentemente de sua orientação política. Um exemplo é o jornal La Nación, de perfil conservador e um dos maiores do país em termos de circulação e visibilidade. Embora o La Nación tenha sido, até então, simpático ao governo Milei e ao seu severo ajuste fiscal, tem coberto exaustivamente o caso, incluindo críticas de colunistas à forma como o presidente tem gerido a crise do “cryptogate”.

Pela primeira vez em seu mandato, Milei não conseguiu pautar o debate político no país. Apesar das repercussões de seu ajuste fiscal e do impacto social decorrente da redução drástica dos gastos públicos – que resultou em um aumento significativo da população vivendo abaixo da linha da pobreza –, o “cryptogate” tornou-se o principal tema da política argentina.

Diante desse cenário, a oposição peronista, sobretudo os setores ligados ao kirchnerismo, tem articulado um pedido de impeachment contra Milei. No entanto, as chances de avanço desse processo são remotas, uma vez que a presidente da Comissão de Juízo Político da Câmara dos Deputados é Marcela Pagano, integrante do partido A Liberdade Avança, o mesmo de Milei.

Até o momento, não houve manifestações populares expressivas contra Milei relacionadas ao escândalo, e sua popularidade segue elevada. Pesquisas realizadas após a crise indicam que o presidente ainda mantém cerca de 50% de aprovação. O caso, contudo, segue sob investigação na Justiça argentina.

Política externa

Paralelamente, o “cryptogate” envolve investidores norte-americanos e, em especial, o empresário Hayden Mark Davis, da Kelsen Ventures, um dos principais suspeitos no esquema. Por esse motivo, o caso também está sendo investigado pela Justiça dos Estados Unidos. No entanto, enquanto na Argentina a apuração se concentra em possíveis crimes político-administrativos, nos EUA as investigações focam em crimes fiscais e financeiros, o que pode acelerar o andamento do processo.

Se houver menções diretas a Milei no processo norte-americano, isso representaria uma derrota política significativa para ele. Além de prejudicar sua imagem dentro da Argentina, um eventual envolvimento direto no escândalo poderia demonstrar a falência de sua estratégia de aproximação com Donald Trump e os EUA. Embora nas investigações no sistema jurídico norte-americano predominem temas técnicos, nunca se pode descartar a possibilidade de ingerências políticas por parte de Trump para proteger aliados.

Outros efeitos externos parecem improváveis. Por exemplo, a possibilidade de que o escândalo afete um eventual acordo entre a Argentina e o FMI é mínima. Embora um novo empréstimo ainda não tenha sido formalizado, isso parece estar mais relacionado às negociações técnicas entre o país e o Fundo do que a questões políticas, já que a Argentina vem cumprindo rigorosamente as metas de austeridade exigidas pelo organismo internacional.

Revelações recentes

Recentemente, no entanto, em uma troca de mensagens revelada pelo La Nación, Hayden Mark Davies alega ter grande influência sobre o gabinete pessoal de Milei via a secretária-geral da presidência e irmã do atual mandatário, Karina Milei. Em uma das mensagens afirma Davies “Eu mando $$ para a irmã dele e ele assina o que eu digo e faz o que eu quero”.

Além das mensagens, não obstante, até o presente momento, mais evidências que pudessem materializar a influência de Davies sobre Milei e seu gabinete não vieram a público.

Por outro lado, a investigação na justiça americana segue avançando. Malgrado o nome do presidente argentino ainda não haver surgido explicitamente, a seção de fraudes financeiras do departamento de justiça dos Estados Unidos segue reunindo informações sobre a possível fraude financeira. Deste modo, o cerco a Milei no exterior parece cada vez mais fechar-se.

Ainda assim, para compreender os impactos concretos do “cryptogate”, será necessário acompanhar os desdobramentos das investigações na Justiça e na imprensa. Além disso, o fator determinante será a forma como a oposição utilizará politicamente as novas revelações contra um presidente que, apesar do escândalo, ainda mantém altos índices de aprovação – que decresceram, mas ainda dentro da margem de erro.

José Victor Ferro – Mestre em Estudos Latino-americanos pelas universidades de Salamanca (USAL), Estocolmo e Paris 3-Sorbonne-Nouvelle e bolsista da União Europeia através do programa Erasmus Mundus Joint Master’s Degree. Pesquisador do Observatório do Regionalismo (ODR). Dedicou-se à análise de modelos de desenvolvimento e política externa de Brasil e Argentina vis-à-vis o acordo de associação Mercosul-UE. Com experiência profissional em instituições diplomáticas (Embajada de Uruguay para Suecia, Dinamarca, Noruega e Islandia) e multilaterais (Fundación EU-LAC). Graduado e licenciado em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo(USP).

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn “

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por José Victor Ferro

Há mais uma semana, foi revelado na Argentina o escândalo que ficou conhecido como “cryptogate”. O episódio teve início quando o presidente argentino, Javier Milei, na sexta-feira passada (14/02), divulgou um tweet promovendo o criptoativo denominado $LIBRA. No post, Milei vinculava diretamente o ativo ao sucesso da economia argentina, misturando ufanismo com seu utopismo libertário ao declarar:

“A Argentina liberal está crescendo!!! Este projeto privado será dedicado a incentivar o crescimento da economia argentina, financiando pequenos negócios e empreendimento argentinos. O mundo quer investir na Argentina. $LIBRA”.

Com a visibilidade gerada pelo tweet presidencial, a demanda pelo ativo disparou em poucas horas. Cerca de 40 mil compradores adquiriram $LIBRA, elevando sua capitalização de mercado para impressionantes US$ 4 bilhões. No entanto, com a mesma rapidez com que valorizou, o criptoativo entrou em colapso. Observando a alta demanda, grandes detentores de $LIBRA liquidaram suas posições no mercado, totalizando um volume de US$ 90 milhões. Como consequência, o preço despencou de US$ 5,54 para US$ 0,96 por unidade em poucas horas.

A principal suspeita é que tenha ocorrido um esquema conhecido como “rug-pull” – ou “puxada de tapete”, em inglês. Ou seja, há indícios de que o presidente argentino possa ter se envolvido em uma fraude cujo objetivo era inflacionar artificialmente o valor do criptoativo para que, ao atingir um pico de valorização, fosse vendido, beneficiando apenas um seleto grupo de investidores que possuíam grandes quantidades do ativo.

Dado esse cenário, a grande questão é: quais são as possíveis implicações para o governo de Milei na Argentina?

Política interna

O escândalo dominou as manchetes de todos os grandes veículos de comunicação argentinos, independentemente de sua orientação política. Um exemplo é o jornal La Nación, de perfil conservador e um dos maiores do país em termos de circulação e visibilidade. Embora o La Nación tenha sido, até então, simpático ao governo Milei e ao seu severo ajuste fiscal, tem coberto exaustivamente o caso, incluindo críticas de colunistas à forma como o presidente tem gerido a crise do “cryptogate”.

Pela primeira vez em seu mandato, Milei não conseguiu pautar o debate político no país. Apesar das repercussões de seu ajuste fiscal e do impacto social decorrente da redução drástica dos gastos públicos – que resultou em um aumento significativo da população vivendo abaixo da linha da pobreza –, o “cryptogate” tornou-se o principal tema da política argentina.

Diante desse cenário, a oposição peronista, sobretudo os setores ligados ao kirchnerismo, tem articulado um pedido de impeachment contra Milei. No entanto, as chances de avanço desse processo são remotas, uma vez que a presidente da Comissão de Juízo Político da Câmara dos Deputados é Marcela Pagano, integrante do partido A Liberdade Avança, o mesmo de Milei.

Até o momento, não houve manifestações populares expressivas contra Milei relacionadas ao escândalo, e sua popularidade segue elevada. Pesquisas realizadas após a crise indicam que o presidente ainda mantém cerca de 50% de aprovação. O caso, contudo, segue sob investigação na Justiça argentina.

Política externa

Paralelamente, o “cryptogate” envolve investidores norte-americanos e, em especial, o empresário Hayden Mark Davis, da Kelsen Ventures, um dos principais suspeitos no esquema. Por esse motivo, o caso também está sendo investigado pela Justiça dos Estados Unidos. No entanto, enquanto na Argentina a apuração se concentra em possíveis crimes político-administrativos, nos EUA as investigações focam em crimes fiscais e financeiros, o que pode acelerar o andamento do processo.

Se houver menções diretas a Milei no processo norte-americano, isso representaria uma derrota política significativa para ele. Além de prejudicar sua imagem dentro da Argentina, um eventual envolvimento direto no escândalo poderia demonstrar a falência de sua estratégia de aproximação com Donald Trump e os EUA. Embora nas investigações no sistema jurídico norte-americano predominem temas técnicos, nunca se pode descartar a possibilidade de ingerências políticas por parte de Trump para proteger aliados.

Outros efeitos externos parecem improváveis. Por exemplo, a possibilidade de que o escândalo afete um eventual acordo entre a Argentina e o FMI é mínima. Embora um novo empréstimo ainda não tenha sido formalizado, isso parece estar mais relacionado às negociações técnicas entre o país e o Fundo do que a questões políticas, já que a Argentina vem cumprindo rigorosamente as metas de austeridade exigidas pelo organismo internacional.

Revelações recentes

Recentemente, no entanto, em uma troca de mensagens revelada pelo La Nación, Hayden Mark Davies alega ter grande influência sobre o gabinete pessoal de Milei via a secretária-geral da presidência e irmã do atual mandatário, Karina Milei. Em uma das mensagens afirma Davies “Eu mando $$ para a irmã dele e ele assina o que eu digo e faz o que eu quero”.

Além das mensagens, não obstante, até o presente momento, mais evidências que pudessem materializar a influência de Davies sobre Milei e seu gabinete não vieram a público.

Por outro lado, a investigação na justiça americana segue avançando. Malgrado o nome do presidente argentino ainda não haver surgido explicitamente, a seção de fraudes financeiras do departamento de justiça dos Estados Unidos segue reunindo informações sobre a possível fraude financeira. Deste modo, o cerco a Milei no exterior parece cada vez mais fechar-se.

Ainda assim, para compreender os impactos concretos do “cryptogate”, será necessário acompanhar os desdobramentos das investigações na Justiça e na imprensa. Além disso, o fator determinante será a forma como a oposição utilizará politicamente as novas revelações contra um presidente que, apesar do escândalo, ainda mantém altos índices de aprovação – que decresceram, mas ainda dentro da margem de erro.

José Victor Ferro – Mestre em Estudos Latino-americanos pelas universidades de Salamanca (USAL), Estocolmo e Paris 3-Sorbonne-Nouvelle e bolsista da União Europeia através do programa Erasmus Mundus Joint Master’s Degree. Pesquisador do Observatório do Regionalismo (ODR). Dedicou-se à análise de modelos de desenvolvimento e política externa de Brasil e Argentina vis-à-vis o acordo de associação Mercosul-UE. Com experiência profissional em instituições diplomáticas (Embajada de Uruguay para Suecia, Dinamarca, Noruega e Islandia) e multilaterais (Fundación EU-LAC). Graduado e licenciado em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo(USP).

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

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