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13 Mar 2025, Thu


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Nosso futuro (in)comum – o capital natural como lastro da nossa economia

por André Aquino e Fernanda Feil

A economia é tão forte quanto os recursos naturais que a sustentam. A degradação ambiental impacta os processos produtivos comprometendo a disponibilidade de insumos essenciais, elevando custos operacionais e aumentando a vulnerabilidade dos setores econômicos.  Integrar o capital natural nas decisões econômicas é fator determinante para a estabilidade macroeconômica, a sustentabilidade fiscal, o crescimento sustentável e a resiliência das cadeias produtivas.

Ainda assim as decisões econômicas relegam o meio ambiente a uma mera externalidade. Essa desconexão resulta em distorções na alocação de recursos e fragiliza a resiliência econômica diante dos desafios ambientais. Para reverter esse quadro, é fundamental avançar na mensuração e valoração do capital natural. Medir e precificar o valor dos serviços ecossistêmicos e dos estoques de recursos naturais, além de determinar o custo da degradação permite a internalização das externalidades ambientais nas decisões econômicas.

Além disso, a diversificação das fontes de financiamento para projetos alinhados a transição ecológica e a preservação ambiental se mostra essencial para viabilizar os investimentos necessários. Uma das estratégias mais eficazes para acelerar essa transição é a realocação dos subsídios atualmente direcionados a atividades prejudiciais ao meio ambiente, como combustíveis fósseis – com destaque para o carvão –, práticas agrícolas insustentáveis inclusive que levam ao desmatamento, e o uso excessivo de agrotóxicos. Esses subsídios representam incentivos financeiros que perpetuam modelos produtivos ambientalmente degradantes, distorcendo preços, reduzindo artificialmente o custo de atividades poluentes e diminuindo a competitividade de alternativas sustentáveis.

No mesmo sentido, recursos existentes nos fundos constitucionais, no Fundo de Direitos Difusos e outros podem ser direcionados para projetos de conservação e recuperação de ecossistemas que contribuem diretamente para o objetivo dessas fontes. Os fundos soberanos, com destaque para o Fundo Social do Pre-Sal, também podem atuar na alocação eficiente de capital para investimentos de longo prazo, podendo ser usados como fontes emergenciais de recursos para desastres ambientais e climáticos.

A implementação de mecanismos financeiros inovadores pode ampliar o acesso ao financiamento sustentável e fortalecer a mobilização de capital privado. Os títulos verdes, que têm se consolidado como instrumentos eficazes para captar recursos destinados a projetos de impacto ambiental positivo, podem tomar mais escala e apoiar novos setores como oceanos, mangues e gestão costeira.

A consolidação do mercado de carbono no Brasil representa uma oportunidade estratégica para impulsionar as fontes de recursos e atrair investimentos. Com a aprovação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), o país avança na estruturação de um mercado doméstico, alinhado às melhores práticas internacionais e com potencial para gerar benefícios econômicos expressivos. Paralelamente, o Brasil deve avançar na criação do arcabouço institucional para participar do mercado internacional de carbono, particularmente do Artigo 6.2 e 6.4 do Acordo de Paris. Finalmente, o Brasil deve clarificar sua posição sobre o mercado voluntário, e sugerir os padrões que garantem integridade ambiental, para destravar novos investimentos de empresas que atuam nesse mercado, particularmente aquelas interessadas na agenda de restauração de florestas.

No nível global, iniciativas de pagamento por serviços ambientais que beneficiam toda a humanidade devem ser promovidos. O Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF) é um modelo inovador de financiamento que busca remunerar países tropicais pelo desempenho na conservação florestal, mobilizando capital soberano para atrair investimentos privados de forma contínua e previsível. No Brasil, esse Fundo poderia gerar recursos em escala e previsíveis para remunerar comunidades e proprietários rurais que mantenham a vegetação nativa em pé e recuperem áreas degradadas.

Uma reforma do Fundo Monetário Internacional (FMI) que garanta que o Fundo incorpore a adaptação climática e o capital natural em suas análises macroeconômicas, incluindo nas projeções de crescimento do PIB e avaliações de sustentabilidade da dívida pública (Debt Sustainability Analysis – DSA), teria enorme impacto no perfil da vívida dos países em desenvolvimento. Atualmente, a falta de métricas apropriadas leva à classificação dos gastos públicos voltados à manutenção e recuperação do capital natural exclusivamente como custos, resultando em uma subavaliação sistêmica da riqueza nacional, uma vez que os ativos ambientais não são plenamente incorporados ao estoque de capital total do país.

A agenda de integração entre economia e meio ambiente tem se consolidado como uma prioridade estratégica para o governo brasileiro. Tanto o Ministério do Meio Ambiente quanto o Ministério da Fazenda têm avançado na formulação de políticas e instrumentos financeiros que internalizam as variáveis ambientais e climáticas nas decisões econômicas.

No MMA, a criação da Assessoria Especial de Economia e Meio Ambiente, vinculada diretamente ao gabinete da ministra, reflete o compromisso institucional de estruturar fluxos financeiros que impulsionem a preservação ambiental sem comprometer a competitividade econômica. 

Os avanços reforçam o papel do Brasil como protagonista na transição para uma economia de baixo carbono, mas a consolidação de uma arquitetura financeira que valorize o capital natural e canalize recursos para investimentos sustentáveis ainda exige um esforço contínuo. A realização da COP30 e da Cúpula dos BRICS+ em 2025 oferece uma oportunidade estratégica para o país não apenas aprofundar essa agenda, mas também consolidar sua liderança global na promoção de mecanismos financeiros inovadores e no fortalecimento do financiamento sustentável. Ao posicionar-se na vanguarda desse debate, o Brasil pode influenciar a governança internacional e impulsionar novas soluções que alinhem desenvolvimento econômico e preservação ambiental.

André Aquino – Assessor Especial de Economia e Ambiente do Ministério de Meio Ambiente e Mudança Climática

Fernanda Feil – Consultora do Banco Mundial na Assessoria Especial de Economia e Meio Ambiente do MMA

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

O Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas. O grupo objetiva estimular o diálogo e interação entre Economia e Política, tanto na formulação teórica quanto na análise da realidade do Brasil e de outros países. Twitter: @Geep_iesp

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

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Nosso futuro (in)comum – o capital natural como lastro da nossa economia

por André Aquino e Fernanda Feil

A economia é tão forte quanto os recursos naturais que a sustentam. A degradação ambiental impacta os processos produtivos comprometendo a disponibilidade de insumos essenciais, elevando custos operacionais e aumentando a vulnerabilidade dos setores econômicos.  Integrar o capital natural nas decisões econômicas é fator determinante para a estabilidade macroeconômica, a sustentabilidade fiscal, o crescimento sustentável e a resiliência das cadeias produtivas.

Ainda assim as decisões econômicas relegam o meio ambiente a uma mera externalidade. Essa desconexão resulta em distorções na alocação de recursos e fragiliza a resiliência econômica diante dos desafios ambientais. Para reverter esse quadro, é fundamental avançar na mensuração e valoração do capital natural. Medir e precificar o valor dos serviços ecossistêmicos e dos estoques de recursos naturais, além de determinar o custo da degradação permite a internalização das externalidades ambientais nas decisões econômicas.

Além disso, a diversificação das fontes de financiamento para projetos alinhados a transição ecológica e a preservação ambiental se mostra essencial para viabilizar os investimentos necessários. Uma das estratégias mais eficazes para acelerar essa transição é a realocação dos subsídios atualmente direcionados a atividades prejudiciais ao meio ambiente, como combustíveis fósseis – com destaque para o carvão –, práticas agrícolas insustentáveis inclusive que levam ao desmatamento, e o uso excessivo de agrotóxicos. Esses subsídios representam incentivos financeiros que perpetuam modelos produtivos ambientalmente degradantes, distorcendo preços, reduzindo artificialmente o custo de atividades poluentes e diminuindo a competitividade de alternativas sustentáveis.

No mesmo sentido, recursos existentes nos fundos constitucionais, no Fundo de Direitos Difusos e outros podem ser direcionados para projetos de conservação e recuperação de ecossistemas que contribuem diretamente para o objetivo dessas fontes. Os fundos soberanos, com destaque para o Fundo Social do Pre-Sal, também podem atuar na alocação eficiente de capital para investimentos de longo prazo, podendo ser usados como fontes emergenciais de recursos para desastres ambientais e climáticos.

A implementação de mecanismos financeiros inovadores pode ampliar o acesso ao financiamento sustentável e fortalecer a mobilização de capital privado. Os títulos verdes, que têm se consolidado como instrumentos eficazes para captar recursos destinados a projetos de impacto ambiental positivo, podem tomar mais escala e apoiar novos setores como oceanos, mangues e gestão costeira.

A consolidação do mercado de carbono no Brasil representa uma oportunidade estratégica para impulsionar as fontes de recursos e atrair investimentos. Com a aprovação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), o país avança na estruturação de um mercado doméstico, alinhado às melhores práticas internacionais e com potencial para gerar benefícios econômicos expressivos. Paralelamente, o Brasil deve avançar na criação do arcabouço institucional para participar do mercado internacional de carbono, particularmente do Artigo 6.2 e 6.4 do Acordo de Paris. Finalmente, o Brasil deve clarificar sua posição sobre o mercado voluntário, e sugerir os padrões que garantem integridade ambiental, para destravar novos investimentos de empresas que atuam nesse mercado, particularmente aquelas interessadas na agenda de restauração de florestas.

No nível global, iniciativas de pagamento por serviços ambientais que beneficiam toda a humanidade devem ser promovidos. O Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF) é um modelo inovador de financiamento que busca remunerar países tropicais pelo desempenho na conservação florestal, mobilizando capital soberano para atrair investimentos privados de forma contínua e previsível. No Brasil, esse Fundo poderia gerar recursos em escala e previsíveis para remunerar comunidades e proprietários rurais que mantenham a vegetação nativa em pé e recuperem áreas degradadas.

Uma reforma do Fundo Monetário Internacional (FMI) que garanta que o Fundo incorpore a adaptação climática e o capital natural em suas análises macroeconômicas, incluindo nas projeções de crescimento do PIB e avaliações de sustentabilidade da dívida pública (Debt Sustainability Analysis – DSA), teria enorme impacto no perfil da vívida dos países em desenvolvimento. Atualmente, a falta de métricas apropriadas leva à classificação dos gastos públicos voltados à manutenção e recuperação do capital natural exclusivamente como custos, resultando em uma subavaliação sistêmica da riqueza nacional, uma vez que os ativos ambientais não são plenamente incorporados ao estoque de capital total do país.

A agenda de integração entre economia e meio ambiente tem se consolidado como uma prioridade estratégica para o governo brasileiro. Tanto o Ministério do Meio Ambiente quanto o Ministério da Fazenda têm avançado na formulação de políticas e instrumentos financeiros que internalizam as variáveis ambientais e climáticas nas decisões econômicas.

No MMA, a criação da Assessoria Especial de Economia e Meio Ambiente, vinculada diretamente ao gabinete da ministra, reflete o compromisso institucional de estruturar fluxos financeiros que impulsionem a preservação ambiental sem comprometer a competitividade econômica. 

Os avanços reforçam o papel do Brasil como protagonista na transição para uma economia de baixo carbono, mas a consolidação de uma arquitetura financeira que valorize o capital natural e canalize recursos para investimentos sustentáveis ainda exige um esforço contínuo. A realização da COP30 e da Cúpula dos BRICS+ em 2025 oferece uma oportunidade estratégica para o país não apenas aprofundar essa agenda, mas também consolidar sua liderança global na promoção de mecanismos financeiros inovadores e no fortalecimento do financiamento sustentável. Ao posicionar-se na vanguarda desse debate, o Brasil pode influenciar a governança internacional e impulsionar novas soluções que alinhem desenvolvimento econômico e preservação ambiental.

André Aquino – Assessor Especial de Economia e Ambiente do Ministério de Meio Ambiente e Mudança Climática

Fernanda Feil – Consultora do Banco Mundial na Assessoria Especial de Economia e Meio Ambiente do MMA

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

O Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas. O grupo objetiva estimular o diálogo e interação entre Economia e Política, tanto na formulação teórica quanto na análise da realidade do Brasil e de outros países. Twitter: @Geep_iesp

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

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